#365Posts – O Autismo Nosso de Cada Dia
Acabo de me emocionar um bocado agora. Acabo de ler a matéria “Como seria estar por trás dos olhos de um autista?”, que se você não viu ainda tem a obrigação de ir lá conferir agora mesmo. É sobre uma menina, chamada Carly, que cresceu sendo taxada de retardada, mas que conseguiu externar o que seu corpo não consegue — ideias na forma de palavras — usando um computador, aos onze anos, embora nunca tenha sido oficialmente alfabetizada.
Ao ler o texto, fiquei muito emocionado, não segurei as lágrimas. Depois fiz o “teste” no Carly’s Café, e juro que — a despeito da curta duração do filme — pensei várias vezes em não ir até o fim. Os “ataques” dos estímulos auditivos são desesperadores, mas nada que se compare à tristeza de ver o pai trazendo um chocolate para a filha, quando na verdade ela desejava um café.
Eu tenho autismo, mas isso não é quem eu sou. Gaste um tempo para me conhecer antes de me julgar
FLEISCHMANN, Carly
Devido à minha história de vida, principalmente nos últimos quinze ou vinte anos, é natural que eu procure identificar o que em mim se reflete nas situações e pessoas que me emocionam (seja lá qual for o tipo de emoção), e desta vez fiquei buscando entender por que me ver no espelho representado pela Carly era algo tão forte para mim.
A rigor, e peço perdão pela aparente (e provavelmente equivocada) imodéstia: tive a bênção de nascer em uma família de pessoas inteligentes, e nunca faltaram fontes de informação a mim e a meu irmão. Se nos anos da infância não havia Internet, meus pais compensavam com enciclopédias (muitas), livros, revistas. Nunca fomos repreendidos por aparecer em casa com um novo livro, ou alguma revista; nossa avidez por informação não só era respeitada como era estimulada e bancada, embora hoje estejamos muito mais próximos do conceito de “ricos” do que há trinta anos.
Então, por que eu me identificava tanto com aquela menina inteligente e brilhante (ela mesmo sendo autista já escreveu um livro; eu nunca escrevi nenhum) limitada por um corpo “defeituoso”?
Em algum nível, todos nós temos, em minha nem tão humilde opinião, comportamentos autistas. Não vou me deter em descrever os exemplos, porque não é de meu interesse denunciar os meus comportamentos autistas agora, mas tenho certeza que qualquer um com um pouco de sinceridade numa autoanálise vai concordar comigo.
Classe média sofre: um “meme” surgido na Internet em que as pessoas reclamam de suas condições privilegiadas de vida como se fossem miseráveis. Exemplo: essa bateria do iPhone dura muito pouco!
Poderia dizer que a frustração de Carly é um espelho de aumento para todas as pequenas frustrações do dia a dia, no estilo “classe média sofre”. Poderia dizer que é a representação dos momentos em que abafamos a voz da criança interior, que tem identificação direta com a Carly, pois ambas não têm controle do corpo que habitam. Poderia elaborar diversas teorias para explicar ou justificar o impacto que essa história teve em meu emocional.
Porém, nada fala mais forte do que as primeiras palavras de Carly para os terapeutas: “Eu tenho autismo, mas isso não é quem eu sou. Gaste um tempo para me conhecer antes de me julgar”. Substitua a palavra autismo pelo nome do seu “problema” e a frase da Carly bem que poderia ser de sua autoria, e não dela. Né?