#365Posts – o exército de asnos
Recentemente o Regis Tadeu, aquele cara que é jurado do Programa Raul Gil e que muita gente acha um chato, escreveu no seu blog no Yahoo! um artigo intitulado “Estamos criando um exército de asnos”, em que discorre sobre os analfabetos funcionais espontâneos, incapazes de escrever uma redação modorrenta de sete linhas.
Eu sei que já sou motivo de piada devido à minha caricata intolerância com os analfabetos de livre e espontânea vontade. Tem gente que não gosta de mim por causa disso.
Verdade seja dita, às vezes eu acabo atirando pra todo lado, e acabo magoando pessoas que “estão na Internet” mas realmente não tiveram instrução, mas nem por isso deixam de ter o direito de se expressar. Mas não são essas pessoas que despertam a revolta em mim, e sim os jovens privilegiados, que sempre frequentaram a escola, que têm acesso à Internet, e em vez de aproveitarem os recursos que têm para evoluir a nível de pessoa enquanto ser humano (eu sei) acabam por preferir alistar-se no exército nominado pelo Tadeu.
Muito diz-se que a educação foi relegada ao descaso nas últimas décadas — e eu concordo. Porém, não há escola ou falta dela que substitua a vontade da pessoa de saber, de aprender, de evoluir. Além disso, por mais que a educação esteja sucateada, nunca se viram tantas escolas como eu vejo atualmente, na maioria das regiões, com recursos pedagógicos que no meu tempo eram sequer sonhados (como acesso à Internet, por exemplo).
Minha mãe é diretora de uma escola da rede pública numa comunidade bem afastada do centro urbano do município. Eu mesmo estudei a maior parte da minha vida acadêmica em instituições públicas, e sou testemunha — tanto por ter sido aluno quanto por ser filho de uma profissional da área de educação — dos esforços que os docentes fazem para oferecer às crianças um ensino com qualidade aceitável.
Há problemas que vão muto além das possibilidades do professor em sala de aula, ou da escola na totalidade. Como bem citou o Tadeu no seu texto, os asnos não admitem que o são, e se revoltam contra os educadores, fazem ameaças, secundados por seus pais, que se por um lado têm mesmo que ser os primeiros apoiadores dos filhos em tudo, por outro têm que ser os primeiros a mostrar que asno só vai servir na vida para ser massa de manobra. E quando falo de ameaças, é ameaça contra a integridade física dos professores, tanto a partir dos próprios alunos quanto de seus familiares.

Só quem teve vivência de estar em uma reunião de pais para saber a quantidade de absurdos que um professor tem de ouvir, com infindáveis variações entre os extremos clássicos:
- os pais excessivamente rigorosos, que resolvem tudo “em casa” na base da porrada, criando filhos revoltados e amedrontados, que por vezes chegam a “autorizar” professores e demais funcionários da escola a “disciplinar” suas crianças; e
- os pais absurdamente permissivos, que incentivam os filhos a não terem disciplina alguma por considerá-los pequenos exemplos de perfeição, capazes de atacar qualquer um que ouse dizer uma palavra “contra” seus rebentos.
Ora, todas as variações entre os dois extremos representam a mesma coisa: pais abusivos, ausentes, que veem os filhos como fardos para carregar, e não como presentes que a vida lhes dá, oportunidade de fazer o mundo um lugar um pouquinho melhor pela educação que estes filhos levam de casa.
É claro que todo filho tem o direito de achar que foi abandonado, menosprezado e preterido pelos pais, mas é obrigação de todo pai não dar motivos ao filho para pensar assim.
De quem é a culpa, afinal?
Pode parecer que a culpa é da escola ou da família, mas na verdade o exército de asnos só vê engrossarem suas fileiras desesperadamente por um único motivo: há candidatos espontâneos para serem asnos.
A responsabilidade dos pais e professores, a rigor, vai só até o ponto de ensinar a pessoa a ler e escrever. A partir daí, por mais que queiram culpar ambiente e condições adversas, o que importa mesmo é a curiosidade, a força de vontade, o desejo de não ser mais um no exército de asnos.
Enquanto as pessoas preferirem usar Internet para consumir humor fácil com desenhos de palitos em vez de se instruir, enquanto preferirem virar as noites escrevendo feito analfabetos em vez de exercitarem o cérebro, enquanto se ofenderem e usarem da desculpa mais imbecil do mundo (“na Internet ninguém escreve certo”) em vez de agradecerem quando alguém aponta um erro, aumentará a desigualdade, aumentará o preconceito linguístico (sim, eu admito que tenho preconceito contra universitários que não sabem escrever), e mais e mais jovens vão acabar por se ver privados de oportunidades porque não sabem nem se expressar em seu próprio idioma, o que automaticamente os coloca no status de completo ignorante incapaz de algo melhor do que um sub-emprego.
O Efeito Borg
Outro amigo comentou que prevê que o aumento do número de estúpidos será tão rápido e massacrante que em breve não haverá mais quem ostente com propriedade o status de pensante. É o que eu chamo de efeito Borg, mas que na prática eu acredito que nunca vai acontecer.
A história da educação no Brasil está chegando a um ponto crítico, em que o desmonte sistematizado do sistema de ensino começa a colher com fartura os frutos do que plantou. Este desmonte teve seu corolário quando aprovaram a tal lei que acabou com as “séries” e implantou o conceito de “ano” de estudo, pelo qual ninguém mais é reprovado. Quem ousar reprovar um aluno hoje em dia vai ter que se ver com todo tipo de retaliação.
Some-se a isso o baixo poder aquisitivo das pessoas, o coitadismo, e o resultado é uma massa de manobra tão espessa como jamais se viu.
É por isso que a estupidez jamais vai conseguir absorver os indivíduos pensantes. É como querer que a escuridão volte a ocupar totalmente um cômodo onde se acendeu uma luz. A não ser, claro, que se extinga a chama, mas aí já é outro papo.
Um pedido aos professores
Gostaria de finalizar este post, que nem era para ter sido assim tão extenso, com um pedido pessoal a cada professor, não só aos meus amigos que exercem este ofício: não desistam daqueles alunos que realmente querem aprender, e lutam com um ambiente adverso (seja na forma de família desestruturada, de falta de dinheiro para comprar material, cansaço por terem de estudar e trabalhar, de um ritmo mais lento de aprendizado, ou o que for); ninguém pode impedir os asnos por vontade própria de entrarem para o exército citado pelo Tadeu, mas aqueles que desejam realmente evoluir e fazer diferença nas suas próprias vidas (que é o que importa) merecem que nos esforcemos, e esqueçamos a politicagem que envolve nosso trabalho como educadores, com o fito de fazer valer a nossa vocação.
Prometo caprichar no ensino, sempre. E no aprendizado também! Obrigada pelo lindo post
Por que você acha que estou há 34 anos lecionando? Dá vontade de largar tudo, muitas vezes; porém, aqueles que precisam realmente de quem os ajude a aprender ainda nos incentivam a continuar. Não sei ainda por quanto tempo, mas…
abraço, garoto