#365Posts – O violinista filho da santa
Aqui no meu prédio tem um aprendiz de violinista. O cara — só pode ser homem, para ser tão mau — passa o dia inteiro praticando escalas as mais diversas, e de vez em quando arrisca tocar uma “Asa Branca”. Outro dia até tocou “Shampain”, que para quem não conhece segue abaixo.
Eu deveria estar em algum estado alterado de consciência, devido aos incensos que a outra vizinha queima diuturnamente (mas tudo bem, a ela tudo é permitido porque ela é a tia louca dos gatos); caso contrário não teria dado jeito de reconhecer que o que ele estava executando (melhor seria se fosse a tiros) era essa música.
A canção “Shampain” fala da humilhação e da dor de uma garota ao ser abandonada pelo noivo no altar.
Aliás, o termo shampain, que me parece ser um trocadilho entre shame (vergonha) e pain (dor, ou sofrimento) parece muito adequado ao caso em tela, porque é exatamente isso que o cara causa nos vizinhos: vergonha alheia por ele sendo uma pessoa tão refinada, já que aprecia instrumentos musicais clássicos como o violino, não ter a educação mínima para saber que sua atividade está incomodando os outros, e sofrimento que eu não preciso explicar. Aliás, saber ele sabe, tenho certeza. Mas falta-lhe alteridade, falta-lhe colocar-se no lugar dos que compulsoriamente precisam “apreciar” sua arte que mais parece tortura sádica com crueldade.
Isto posto, só tenho duas coisas legítimas a fazer:
- escrever posts de catarse como este, na esperança de que eu consiga me livrar dos pensamentos que incitam ir lá e fazer o cara vomitar o violino, depois que o instrumentos fizesse todo o caminho contrário no sistema digestório até chegar à boca; e
- perdoar o cara.
É sério.
O sujeito que desrespeita o semelhante a este ponto, o que é tão grave quanto ouvir música em transporte coletivo sem fone de ouvido, ou peidar no elevador lotado, é um coitado, um infeliz que não tem nem amigos (e se um dia teve namorada/o com certeza é/foi/será corno).
Afinal, ele tem o direito de tocar o violino dele o quanto quiser, fora do horário de silêncio estipulado pelas normas do condomínio. E ele respeita este horário religiosamente: todos os dias, às 19h em ponto, ele para com a encheção de saco, e só a retoma no dia seguinte, às 8h da manhã. Pontualmente. Sempre.
Por fim, eu deveria era agradecer a ele mesmo: enquanto ele estiver sendo o filho da puta do prédio, de Copacabana, do Rio de Janeiro, a vaga fica preenchida e não abre “concorrência”. Sabe-se lá quem poderia vir a ser o seu sucessor, né?