#365Posts – Quem não sabe ensina

O professor sempre teve uma reputação muito aquém de sua importância, desde que eu me conheço por gente. Lembro que quando eu era criança ser marido de professora era algo que os vagabundos ansiavam, em função da ilusão de que elas eram muito bem remuneradas. Lá pelo segundo grau os que vieram mais prejudicadinhos na inteligência e na competência na profissão para a qual estudávamos eram consolados pelos colegas que diziam que ele não precisaria se preocupar em ser um bom profissional da área, pois ele ainda poderia ganhar a vida honestamente sendo professor. E é claro que quem fazia este tipo de comentário ignorava solenemente o fato de que nós tivemos a felicidade de sermos alunos dos melhores professores da cidade, os mais competentes, mais esforçados, mais cultos. Não havia um único dos nossos mestres que não fosse no mínimo excelente.

Aí, há alguns anos, calhou que minha própria reputação profissional se espalhou Porto Alegre afora e fui convidado a lecionar num curso técnico. Era pra ensinar HTML, CSS, JavaScript e ASP. Logo me pediram para aumentar a carga horária e ensinar algumas ferramentas, que eu dominava, e eu topei. E por fim me pediram para ensinar Flash.

— Ferrou. Não manjo nada de Flash. Até porque detesto Flash e acho que é um câncer para a Internet. Vão ter que arrumar outro professor.

— As aulas devem começar amanhã, não temos ideia de onde encontrar um professor de Flash, e todos os alunos pediram para tu assumires essa disciplina também. Faze isso por eles.

— Diretora, agradeço pelo carinho dos alunos, pela deferência, pela consideração e pela oferta de aumento no valor da hora aula, mas, definitivamente, eu não posso ensinar um conteúdo que não conheço.

E, como a lógica sugere, no dia seguinte lá estava eu, sem saber de Flash mais do que o mínimo para fazer um texto voar pela tela, diante de uma turma de quarenta alunos ávidos por aprender a fazer animações.

E o semestre terminou, e todos eles (mentira, só uns trinta) haviam conquistados as competências mínimas para saírem emporcalhando a Internet com “splash screens” e animações tocas e inúteis.

Embora eu tivesse um relacionamento muito bom com todos os meus alunos, baseado na sinceridade, e eles soubessem que eu estava construindo o conhecimento ali junto com eles, não havia um só dia em que eu fosse para o trabalho que não estivesse com o peito crivado de dúvidas e angústias, mal estar este que amigos e colegas tentavam amenizar dizendo: “é só lembrar que todos eles sabem menos do que tu”.

Qualquer um que tenha passado pela fascinante experiência de ensinar o que quer que seja, com a sinceridade de saber-se tão ou mais ignorante que os supostos alunos, há de concordar com a afirmação de que é ensinando que realmente se aprende.

Em minha visão, o professor tem como principal desafio despertar no aluno o desejo por aprender, em incentivá-lo a pôr a curiosidade que é característica de todos os seres humanos, principalmente nos de menos idade, no objetivo de descobrir o que ainda não foi dito, de construir o aprendizado do que quer que seja.

Já falei aqui neste blog antes do meu primeiro professor de informática, o Professor Roberto Dienstmann, que foi a influência mais importante que tive na vida para me tornar quem eu sou hoje, profissionalmente falando. Ao reconhecer meu interesse pela computação ele não hesitou em me dar acesso ao que havia de mais moderno (e caro, e valioso) na escola em termos de equipamentos, ensinando-me o básico para a profissão:

— Janio, aquele cabo se liga na tomada, aqui atrás tem uma chave para ligar e desligar o computador; o teclado é o dispositivo de entrada de dados e o monitor é o de saída. Depois passo aqui pra ver com tu estás te saindo.

Abandonei a profissão de ensinar porque sendo eu filho de professora, das mais dedicadas e competentes, e tendo sido discípulo de mestres como o Roberto, que sabia dar a cada aluno o de que ele precisava (no meu caso: liberdade para desbravar horizontes sozinho; no de muitos colegas: aulas de lógica de programação individualizadas; no de outros: facultar que a pessoa encontrasse o seu próprio caminho).

https://sarmento.org/365posts-compilacao-de-videos-de-caes-dando-boas-vindas-aos-donos/Jamais serei um professor tão bom quanto os que eu tive, mas tenho certeza de que fiz diferença na vida de pelo menos alguns dos alunos que me deram a honra de amenizar meus karmas.

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