Eu quero uma marcha pela coerência

Já há dias que venho querendo escrever sobre esse assunto, e queria fazê-lo de uma maneira mais leve. Cheguei a ensaiar no post sobre entrevistas de emprego, mas creio que minha mensagem nem tenha sido entendida, a não ser por uns dois ou três gatos pingados.

O fato é que temos marcha para tudo hoje em dia: pelo direito à homofobia (havia milhares de homofóbicos em marcha até altas horas no Rio de Janeiro há duas semanas, atrapalhando o trânsito), da maconha, de tudo o que se imagine. Acho que vou começar uma marcha pela coerência.

Relembremos nove dias atrás no supermercado.

A fila estava imensa, e como se a tortura já não fosse suficiente, apareceu imediatamente atrás de mim uma “vegana” de araque pra tentar me converter. Sem um pingo de delicadeza veio tecendo críticas sobre o conteúdo da minha cestinha de compras, que naquele dia contava com 1,2kg de picanha na forma de bifes, meio quilo de queijo mussarela, dois pés de alface americana e dois litros de leite desnatado.

A mulher começou um longo discurso falando sobre respeito aos animais, maus tratos, e não sei o que mais. Aí eu me irritei com a situação e olhei para o carrinho da criatura, e lá, em cima de todas as coisas, duas infrações simultâneas para acabar com o poder vegano dela: gelatina e bolo. Praticamente decapitei a dona com uma simples frase: “enquanto você não souber identificar alimentos realmente não oriundos de animais você não tem moral nenhuma para criticar minha dieta”.

No “causo” real acima, eu poderia ter sido cruel com ela, e usado a crença popular de que café solúvel contém sangue de boi, mas meu objetivo era apenas ter paz na fila, e não atormentar a alma da coitada.

Mais uma ilustração? Vamos lá.

Eu estava andando de carona com meu amigo, e ele reclamando dos motoristas que andam à noite com farois apagados, que fazem conversão sem dar seta, que abusam da velocidade. Durante a sessão de descarrego ele mesmo fez duas conversões sem dar seta, sendo que uma foi em local proibido, e em dois semáforos ele parou, deu uma olhadinha, e atravessou no vermelho: “aqui não tem câmera, gordo, vou parar pra quê?”.

Não sei se é possível obrigar as pessoas a serem coerentes sem cair no mesmo fascismo das que querem obrigar outras pessoas a fazerem escolhas que não são as suas.

Mas acredito que assim como o papel dos militantes de qualquer causa é fundamental para dar visibilidade à mesma, nós, que acreditamos na coerência, precisamos nos unir e atrair alguma visibilidade sobre a nossa escolha.

Nós que não jogamos lixo na rua porque detestamos a rua suja — mesmo que ela já esteja; nós que economizamos água porque acreditamos que isso é bom para o nosso bem estar; nós que não furamos fila porque não gostamos quando furam a nossa; nós que não nos importamos de pagar o preço justo por um serviço bem prestado, porque também não apreciamos ser explorados; nós que não maltratamos garçons, frentistas, garis ou outros profissionais de atividades menos glamourosas porque sabemos que a igualdade entre os seres humanos vai além de sequências de DNA; nós precisamos nos unir, e mostrar ao mundo que nossas escolhas precisam ser respeitadas, e que não somos apenas chatos (alguns somos, eu às vezes) quando queremos fazer valer o que é certo.

E para isso, precisamos de uma marcha pela coerência. Só não podemos atrapalhar o trânsito, durante a marcha, porque quando eu estou ao volante fico extremamente puto com esse tipo de protesto, e não quero causar o mesmo dissabor aos motoristas.

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