Crime e Perdão

Quem passa sob o “viaduto da Borges” certamente já viu um casal de moradores de rua que está sempre por ali (talvez eles não sejam propriamente um casal, não importa). Ela, por incrível que pareça a quem a vê pela primeira vez, já foi uma artista plástica premiada e citada nos jornais e outros meios de comunicação. Quanto a ele, não sei o que já foi, mas sei que é comum encontrá-lo desenhando tirinhas e cartuns em papel de jornal, quase sempre com notas humorísticas inspiradas em fatos do cenário político ou em situações corriqueiras (como duas mulheres na parada de ônibus conversando sobre seus filhos).

Na semana passada, eu voltava para casa e estranhei não encontrar os cartuns aos quais já me habituara. Havia apenas um bilhete escrito à caneta, mas não me dei ao trabalho de ler. E o cara estava sozinho, em sua situação de mendicidade.

“Que houve, tchê?”

“Tio,” — esse era eu — “roubaram meus lápis de cor, e não posso mais trabalhar.”

“Como assim?”

“Sabe, tio, eu estava indo bem, estava ganhando mais de vinte reais por dia, tinha fartura, dava pra comer todo dia; aí o mal apareceu e roubou meu dinheiro e meus lápis de cor, e agora não posso mais trabalhar.”

“Pô, cara, quem foi que fez isso contigo?”

Se eu soubesse a resposta que ouviria, talvez não tivesse perguntado.

“Quem me roubou foi o mal. A pessoa não importa, porque eu já perdoei. Ela só foi usada pelo mal, que veio aqui e roubou meus lápis de cor e meu dinheiro.”

Tirei uns trocados que carregava no bolso, e dei ao cara para colaborar na compra dos lápis de cor. E fui para casa meditar no desprendimento dele, de já ter perdoado a pessoa que lhe fizera mal. Eu certamente não teria tido atitude semelhante.

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