Engenharia Social

Mi hermano Pablito disse que eu deveria escrever esta história, então cumpro sua sugestão. 🙂

Lá por 1994 passei por uns apertos financeiros que me levaram a encontrar, digamos, meios alternativos para ganhar dinheiro. Acabei entrando no ramo da importação informal de bens de consumo, atividade que me rendeu o vulgar título de “muambeiro”.

Todas as sextas-feiras à noite eu entrava num ônibus pirata que saía do centro da cidade e ia para Ciudad Del Este, retornando no domingo pela manhã.

O ônibus era pirata, porque a passagem era muito mais barata.

As atividades que se realizavam dentro do ônibus eram pra lá de alternativas, para usar um eufemismo. Rodas de pôquer valendo grana real eram o mais light. Tinha até uma guria que trocava favores sexuais por dinheiro. Como não dava para fazer muita coisa em público no banco de trás do busão, o cachê também não era lá essas coisas, mas o importante é que todo mundo se divertia, e ela fazia o seu papel social, de aliviar o estresse da galera.

Tudo isso pode soar estranho, cansativo e estressante, mas essa era a melhor parte da viagem.

A segunda pior parte da viagem eram as três exíguas horas para se fazerem as compras. Não havia facilidades como as de hoje, através das quais um comprador pode pesquisar preços via Internet, e ir para lá com o roteiro pronto. Naquele tempo em três horas a gente tinha que correr todos os pontos de venda, fazer levantamento de preços, montar o roteiro de compras, e efetivá-lo. E as compras demorava muito, porque os shopping centers viviam lotados, e o atendimento era pior do que péssimo (acho que isso não deve ter mudado tanto).

Contudo, a pior parte da saga era mesmo a volta. O busão pirata atulhado de mercadoria proibida (como cigarros), negociantes e “mulas” exercitando a criatividade para ocultar mercadorias nos fundos falsos, ou enfiando monitores coloridos em caixas de televisores preto e branco, na tentativa de engambelar a fiscalização. Não foram poucas as vezes que vi gente próxima perder tudo numa batida.

Da última vez em que fui às compras no Paraguai eu precisava trazer apenas dois HDs, uma placa de vídeo e três relógios de pulso. Ainda na loja comecei a preocupar-me com a camuflagem dos produtos, pois eu não tinha o menor arrego (o fundo falso era só para os “trutas” do dono da bumba). Vi então um quebra-cabeça do tipo Lego (até hoje eu adoro Lego), e comprei. Com um estilete abri o celofane que o lacrava, e vi que as pecinhas, que nem eram tantas, estavam num saquinho plástico minúsculo, sobrando espaço na caixa de papelão. Botei a placa de vídeo no bolso interno da jaqueta, os dois HDs na caixa do Lego, e despejei as pecinhas sobre eles, voltando a “lacrar” a caixa com fita adesiva. Os relógios ficaram numa sacolinha plástica, e eram o que menos me preocupava.

Na estrada, após o segundo minuto de silêncio e da oração para nos livrar da fiscalização (sempre rolavam dois momentos desses, um na ida e outro na volta), o busão pegou a estrada, e já no primeiro posto de fiscalização foi parado. Pente fino na gente.

Juntei meus contrabandos, vesti minha melhor cara de puta e fui para a fila. Havia dois fiscais arrebatando a muamba da galera, um homem e uma mulher. Pelo ritmo de despacho da fila, deduzi que eu seria atendido por ela. Precisava pensar em algo rapidamente, pois não podia sequer imaginar a hipótese de perder os HDs de meus clientes (que, por sinal, pagaram antecipadamente).

Ao aproximar-me da fiscal vi que ela tinha na gargantilha dois bonequinhos pendurados, o que levava a crer que ela tinha dois filhos. Estava salvo!

Quando chegou minha vez ela perguntou com cara de poucos amigos: “o que você tem aí?”

“Não muita coisa, três relógios para dar de presente, e um quebra-cabeças para meu filhinho. Não gosto que eles brinquem com arminhas e coisas do tipo, incitam a violência; prefiro dar a eles brinquedos educativos.”

Ela sorriu pra mim. Estava fisgada.

“Quais as idades das tuas crianças?”, emendei, fortalecendo o vínculo afetivo que se firmava.

A mulher começou então a falar emocionadamente de suas crianças (que pelo visto eram mesmo umas graças), das histórias, dos feitos do jardim da infância, e eu deixando a areia escorrer na ampulheta. Quando já estávamos de papo por uns dez minutos perguntei se ela me dava licença, pois não queria atrapalhar o seu trabalho. E assim passei sem que ela nem perguntasse o que mais além do Lego havia na caixa.

Daquele dia em diante decidi que não valia a pena matar todos os meus finais de semana num busão caindo aos pedaços, sem poder tomar banho, morrendo de nervosismo com medo de perder minha mercadoria. Lembro sem saudade de minhas viagens ao Paraguai.

Felizmente, hoje em dia não precisa mais ser assim. Qualquer um pode comprar eletrônicos e outros bens de consumo por um preço extremamente acessível, no conforto de seus lares, via Internet. Afinal, engenharia social é para quem precisa.

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