“Esqueça, você nunca vai conseguir”

A primeira vez que estive no Rio de Janeiro foi há dez anos. Eu era um sujeito tão duro que a única maneira de eu poder fazer essa viagem, e passar um fim de semana lá, foi com a ajuda de dois amigos, moradores da cidade: um bancou as passagens e o outro bancou a hospedagem. Um é meu amigo até hoje, o outro já faz tanto tempo que não sei notícias que já não posso dizer nada (e por mais irônico que possa parecer, minha casa fica a poucas quadras da dele).

Um de meus “sonhos de consumo” sempre tinha sido conhecer o Rio de Janeiro, poder pisar o solo da cidade que sempre me atraiu muito, com quem tenho um caso explícito de amor não mais platônico. Quando meus amigos me ofereceram a oportunidade, não pensei duas vezes.

Após umas horas passeando pelo Rio, comentei com meus amigos que eu gostaria muito de morar na Cidade Maravilhosa.

O meu amigo que é amigo até hoje soltou um espontâneo e imediato “seria muito legal ter você morando por perto”.

Já o outro fez um discurso, cujas palavras vou morrer antes de esquecer.

— Esqueça de morar no Rio de Janeiro. A cidade é muito grande, é violenta, não é tudo isso que a tevê mostra. Você teria que vir pra cá com um emprego garantido e lugar para morar, e você não tem. Além do mais, o Rio é uma cidade muito cara, não se iluda pensando que com o salariozinho que ganha em Porto Alegre você conseguiria se manter aqui. E outra: uma coisa é passear no Rio de Janeiro, um fim de semana vendo só coisas boas e bonitas, outra coisa é morar aqui, principalmente você que não tem grana e não teria como morar num bairro bom da Zona Sul. Se posso te dar um conselho é: esqueça, você nunca conseguirá vir morar aqui.

Eu deveria ter ouvido e calado, mas não é do meu feitio. Respondi uma única palavra a esse amigo.

— Veremos!

O tempo passou, o mundo deu muitas voltas, um ciclo de Saturno se fechou e outro chegou quase à metade, e eis que hoje eu moro no Rio de Janeiro. Na Zona Sul, num bairro que não é dos mais badalados, mas é ótimo. E o melhor: em termos práticos sou vizinho do meu amigo — que tem nome, e o nome dele é Raul — que disse que iria adorar que eu morasse por perto.

Contrariando as expectativas do meu amigo, vim para o Rio de Janeiro sem emprego, porque tenho minha própria empresa (a PortoFácil).

Uma coisa porém, é verdade: morar no Rio de Janeiro é diferente de passear. Quando você começa a desenvolver laços de afinidade com vizinhos, com pessoas que prestam serviço ao seu redor, começa a perceber que a cidade é muito melhor, mais acolhedora, alegre e simpática do que possa parecer à primeira vista — todo turista pensa que só está sendo bem tratado porque o preço de seja lá o que for está super inflacionado por causa da alta temporada.

Eu poderia dizer que o comentário desmotivador de meu amigo pudesse ter sido o combustível para eu trabalhar até conseguir o objetivo de morar no Rio de Janeiro. Porém, eu estaria mentindo, porque essa lembrança ficou longe do meu consciente durante uma década; só há umas poucas semanas lembrei do acontecido, e ficou mais uma sensação de interesse pelo aspecto curioso da coincidência de eu morar tão perto de quem profetizou que eu nunca moraria aqui (e olhe que não passei por nenhum momento Griselda na minha vida).

Entretanto, esse meu amigo ignorava uma coisa muito simples: a sinceridade do meu desejo de morar no Rio. Mesmo tendo custado um tanto a conseguir reunir as condições necessárias para mudar para cá, esse desejo nunca me abandonou. Também nunca empreguei nenhuma técnica de visualização criativa, nem de agradecimento antecipado por algo que ainda não tenho, mas o fato é que sempre houve verdade na minha intenção de viver no Rio de Janeiro.

E em contrapartida a essa verdadeira vontade de morar aqui, o Rio de Janeiro me deu um presente muito valioso, um valor que eu já estava conformado em não encontrar durante esta encarnação: pela primeira vez eu moro em um lugar em que realmente eu me sinto em casa, e a alegria que sinto a cada vez que o avião toca o solo do Rio de Janeiro é a de quem volta ao lar. É um sentimento que para as pessoas em geral deve ser algo meio bobo, porque praticamente todo mundo tem isso; mas para mim é uma conquista muito grande, a de ter encontrado um lugar onde eu realmente gosto de morar.

Obrigado, Rio de Janeiro. Espero que possamos ser felizes juntos por muito mais tempo ainda, e que se um dia eu enjoar de você, seja para ir para um lugar ainda mais maravilhoso.

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