Por que todo mundo morreu um pouquinho com a Hebe
O mundo está careca de saber que Hebe Camargo faleceu ontem, aos 83 anos de idade oficial — porque muita gente que a viu atuar quando jovem, ao lado do pai, jura de pé junto que ela estava mais para 87 ou 88, o que também não quer dizer nada.
A idade da Hebe pouco importa, porque ela foi uma daquelas pessoas que mesmo que morresse com 200 anos estaria morrendo cedo demais.
Todas as pessoas boas que conheço e com quem conversei a respeito da passagem da que foi uma das mais importantes artistas brasileiras manifestou o mesmo sentimento de tristeza, desolação e surpresa.
“Como assim, a Hebe morreu? Mas ela não era imortal?”
Certa vez o Zé Simão disse que duas múmias encontradas no Egito seriam Hebe e Nair Bello, sua grande amiga e parceira dos talvez melhores momentos de comédia no Brasil. Hebe gargalhou escancaradamente, divertindo-se muito com a piada.
Outra vez, ela apoiou publicamente Paulo Maluf e Celso Pitta, no cenário político paulistano. Depois, reconheceu o erro e veio publicamente fazer o mea culpa.
Toda semana ela recebia convidados no seu mítico sofá, onde não lhes poupava elogios, chamando-os de gracinha e de lindos de viver.
Toda semana ela se preparava da maneira mais glamorosa possível para entreter o país inteiro, caprichando no laquê, nos adereços, na escolha das cores, tudo para oferecer a melhor imagem de Hebe que ela pudesse.
Eu realmente não assistia aos programas dela, até porque assisto bem pouca televisão; mas é impossível de esquecer a cena recorrente dela entornando um copo de cerveja gelada, com a satisfação de quem não precisa esconder-se atrás de nenhum “politicamente correto” de araque para divertir-se enquanto faz seu trabalho.
Fora das câmeras, Hebe era do tipo que telefonava para as pessoas para fazer elogios e distribuir carinho.
Hebe lutou bravamente contra problemas graves de saúde, venceu diversas batalhas, até que finalmente seu tempo chegou ao fim.
Hebe era assim: carinhosa, divertida, carismática, verdadeira, inocente, talentosa, bonita. Além de ser corajosa, ousada, popular, extremamente importante pela sua atuação num Brasil em que as mulheres eram talhadas para serem parideiras e arrumadeiras, não mais que isso.
Como disse minha amiga @ascatia:
É por tudo isso que estou dizendo, e principalmente pelo que não estou, que afirmo que todos nós morremos um pouquinho com a Hebe hoje.
Diva: s. f. Deusa ou divindade feminina.
Todos nós gostaríamos de ser como ela — e somos. Reconhecemos todas as virtudes desta diva porque as temos em nós mesmos. E quando seu corpo já não tem mais força e saúde para continuar vivo, nós perdemos um dos mais belos espelhos de que dispúnhamos para ficarmos um pouco mais satisfeitos conosco mesmos. Hebe tinha o dom de fazer as pessoas felizes, mesmo gente que não assiste televisão, ou que nunca teve o privilégio de estar em sua companhia, feito eu.
Agora temos de chorar o nosso luto, porque não teremos mais a gracinha linda de viver como o espelho com que nos acostumamos no decorrer das décadas para ver refletido o nosso melhor.
Obrigado, Hebe, por fazer do Brasil um lugar um pouco melhor de se viver.