#365Posts – Como perder a ingenuidade aos 40 anos de idade
Para alguém que ganha a vida na Internet, que passa a maior parte das horas do dia conectado, posso me considerar ter sido, até ontem, um sujeito bem ingênuo e ignorante. Pela primeira vez acessei a famigerada deep web, aquela parte da web que diferentemente da surface web não fica ao alcance dos usuários “comuns”, porque nem os programas de navegação convencionais conseguem decodificar os endereços dos sites (sequências “aleatórias” de caracteres mais a extensão [code].onion[/code]), tampouco os indexadores de páginas o conseguem (mais ou menos, depois explico melhor).
O fato é que acessar este submundo da Internet me fez entender que eu era um poço de ingenuidade até então. Por mais que já tenha visto encenações de milhares de assassinatos, estupros e outros abusos na televisão (sou fã de Criminal Minds), lá no fundinho da minha mente havia uma crença de que, enfim, a realidade não poderia ser assim tão ruim.
Não vou ensinar ninguém a acessar a deep web — até porque já há milhares de recursos na surface web ensinando a fazer isto. Tampouco vou listar os absurdos mais perturbadores que encontrei por lá, já em minha primeira oportunidade no umbral digital.
O máximo que vou dizer é que encontrei links de pessoas oferecendo contas de PayPal roubadas; com saldo. Que encontrei sites promovendo crueldade contra crianças e idosos. Que encontrei links de prestadores de serviço muito fora do convencional, com preços que variam conforme o prestígio e a segurança em torno da vítima. Que encontrei sites de comércio de toda categoria de podridão, sendo a venda de documentos e de dinheiro falsos a coisa mais light de todas.
Outra coisa que me impressionou foi a feiura dos sites do submundo. Esta preocupação que os profissionais da Internet têm com beleza, rapidez, usabilidade, nada disso importa no umbral. Até porque, por razões de segurança, ninguém em sã consciência se atreve a navegar nos sites de lá com JavaScript ativado. E devido às múltiplas camadas de criptografia, e ao fato de cada pacote de dados precisar praticamente circular o mundo antes de ser entregue ao navegador do visitante, a deep web é naturalmente lenta. Lá ninguém tem como se importar se um site demorar 40s para mostrar uma página.
Aliás, outra característica dos sites de lé é a baixa disponibilidade. Assim como são abertos, muitos sites são sumariamente fechados: basta o dono do site achar que seu anonimato foi de alguma forma comprometido para ele apagar tudo e reabrir — ou não — em outro local. Servidores com 75% de uptime são anunciados com orgulho, enquanto que na surface web 99% de uptime já é considerado um nível insatisfatório.
Ainda sobre a relação entre a surface e a deep web, já é possível encontrar naquela conteúdo desta, devido aos sistemas de proxy que permitem que qualquer um, mesmo sem estar conectado à rede TOR (Google é seu amigo, vá em frente) navegue com, supostamente, o mesmo anonimato.
A deep web não é boa nem má. Assim como o forte anonimato proporcionado pela sua arquitetura é usado para fins criminosos, também deve ser usado para fins mais nobres. Eu não vi nada assim ainda, nem sei se terei estômago para procurar. E, sinceramente, se você não sabe como acessar as profundezas da Internet mais obscura, talvez isso sirva para proteger o seu sono. Vá por mim.