#365Posts – O dia em que Madre Teresa de Calcutá me fez chorar
Todo mundo sabe quem foi a Madre Teresa de Calcutá: vencedora de um Nobel da Paz, devotou a vida a ajudar os desafortunados, num exercício constante de solidariedade e cuidado com os doentes.
Há quem diga que a religiosa não era tudo isso, e que desviava para o Vaticano dinheiro grosso que deveria ser para cuidar dos doentes. Ela mesma teria dito que sua vocação era baseada numa fé inquestionável.
Honestamente? Não sei se isso é verdade, e apesar de tudo o que sempre se soube publicamente sobre ela, nunca havia sentido um pingo de empatia nem pela pessoa nem pela obra. Talvez vidas passadas expliquem, mas não importa.
Onde está minha fé? Mesmo no mais íntimo… não há nada a não ser vazio e escuridão… Se existe Deus — que por favor me perdoe.
Entretanto, hoje li uma notícia que me fez chorar de identificação com a freira: Letters Reveal Mother Teresa’s Secret (Cartas Revelam o Segredo de Madre Teresa). Se você lê em Inglês, sugiro que leia a matéria original (é bem curtinha, no site da CBS News).
A matéria dá conta que o último desejo dela não foi atendido: que sua correspondência pessoal com superiores hierárquicos, amigos, correspondentes de sua mais alta confiança, fosse totalmente destruída e que seu teor nunca viesse a público.
Tais cartas mostram uma face secreta do ícone do altruísmo e da abnegação: ela teria perdido totalmente sua fé em Deus, e um de seus maiores temores era descobrir-se como uma hipócrita.
Para o que eu trabalho? Se não há Deus, não pode haver alma. Se não existe alma então, Jesus, Você também não é verdadeiro.
As cartas estão sendo juntadas pelo Reverendo Brian Kolodiejchuk para que se anexem ao processo de canonização da freira junto ao Vaticano (ou seja lá como se chame o processo de “elevar” um mortal à categoria de santo). Pessoalmente, acredito que as cartas não serão obstáculo no processo, pelo contrário, farão com que sua santidade seja ainda mais considerada, afinal ela nunca parou de fazer o que fazia, a despeito de ter perdido sua fé.
Isso, claro, sem contar que se realmente o Vaticano aceitava que ela desviasse dinheiro dos indianos moribundos para os cofres da Santa Sé, seu passaporte já deve contar com pelo menos metade dos carimbos necessários para ir para o céu dos santos.
O fato é que com ou sem defeitos e “podres”, Madre Teresa viveu muitos anos de sua vida num embate íntimo que a maioria das pessoas jamais vai ter, porque poucos são os que se questionam, seja na fé, seja no ceticismo. Ela saiu do extremo da fé (“inquestionável”) e foi para a negação. Mas nem assim parou de fazer caridade.
E mesmo que ela tenha realmente desviado milhões para o Vaticano, ainda assim ela fez mais pelos desvalidos do que eu jamais farei numa vida inteira, talvez nunca tenha feito nem somando todas as minhas vidas passadas.
A mim, que sempre me considerei um homem de pouca fé e de pouca coragem, saber que até mesmo a Madre Teresa de Calcutá tinha terríveis dúvidas existenciais já anciã é um indicativo de que, bem, alguma coisa eu devo estar fazendo certo, por mais que eu não saiba reconhecer.