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A hipocrisia dos clubes de futebol gaúchos

Creio que não tenha havido uma só pessoa que acompanhe de alguma maneira as notícias do Rio Grande do Sul que não tenha sido bombardeada com notícias de uma ação conjunta dos principais clubes de futebol da capital gaúcha: o Internacional abriu o Gigantinho para acolher moradores de rua por uma noite — a mais fria do ano — enquanto o Grêmio fez a doação de colchões, cobertores e não se mais o quê, para reforçar a ação do clube rival.

Que bonito, não? Clubes rivais deixando as diferenças de lado para acolher na noite mais fria do ano as pessoas mais necessitadas.

A despeito de eu achar que uma única ação positiva isolada seja melhor que ação nenhuma, não consigo engolir esse arroubo de pretenso altruísmo dos clubes gaúchos (que apenas estão repetindo os passos do River Plate, que também abriu as portas do Monumental de Nuñes por uma única noite para acolher desabrigados da capital portenha).

Comecemos pela falta de continuidade desta ação. É bom que as pessoas possam ficar aquecidas nas duas noites mais frias do ano, mas e o que dizer das demais, tão perigosas quanto estas?

Tal descontinuidade me faz ter a convicção de que o único objetivo de uma ação destas passa longe de exercitar a solidariedade — a não ser para uns poucos ingênuos que realmente acreditam que adiar que uma pessoa morra de frio hoje para morrer encarangada amanhã seja mesmo algo que vá livrá-la dos pecados.

Uma ação de dois dias, que custou uma merreca para ser executada, rendeu no mínimo uma semana de exposição maciça nos meios de comunicação, rendeu toneladas de elogios de pessoas manipuláveis (todas nós, em termos práticos) e criou muito buzz (termo que os publicitários adoram que indica o “burburinho” que se forma em torno de uma marca, forçada ou espontaneamente).

Ora, clubes de futebol são empresas que visam o lucro acima de tudo, explorando a paixão de idiotas que deixam de comer para pagar 500 contos numa camiseta xexelenta que vão adorar e chamar de “manto”, além de outras besteiras.

Mais que isso, clubes de futebol são empresas que não estão nem aí para a cidadania, haja vista os crimes que são cometidos por suas torcidas, corpo técnico e dirigentes de maneira absurdamente natural (embora a torcida seja mais escrota e nem tente disfarçar, enquanto os cartolas e o corpo técnico têm o cuidado de pelo menos parecer importar-se com o discurso): homofobia, misoginia, racismo, xenofobia, só para ficar com os mais evidentes.

Ora, se realmente estas empresas que calham de ganhar dinheiro explorando a segunda mais vil paixão possível a um ser humano (a primeira é ser bolsomínion ou moromínion) estivessem interessadas em tornar a sociedade um pouco melhor do que é tratariam de educar os facínoras que agridem em nome das marcas; criariam programas permanentes de resgate de crianças em condição de rua, e usariam parte das fortunas que arrecadam dos beócios endinheirados (ou não, vai saber) para devolver a dignidade à camada mais frágil da sociedade.

Mas nada disso importa para as marcas, o que importa é dinheiro no caixa, é impressionar os bocós que vão ter ainda mais vontade de torrar sua grana em produtos “do time do coração”.

Por fim, tem um número imenso de idiotas que defendem as marcas que amam acusando quem, como eu, ousa analisar criticamente este tipo de ação; dizem coisas do tipo “aposto que tu não faz nada pelos outros”, “conta aí o que tu faz pelos outros antes de criticar quem faz” e outras asneiras do tipo.

Vou logo avisando: não faça isso aqui. Sério. E nem vou explicar por quê, pois a pessoa que precisa de uma explicação para isso não vale nem o pacote de Internet que gasta para comentar nos blogs alheios.

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