A Ameaça do “Terraplanismo”

Nos meios que frequento as ideias de “terraplanismo” — a crença absurda de que a Terra não seja “redonda”, mas sim plana — é motivo, o tempo todo, de piada. Isso, contudo, não me isenta do desprazer de, vez por outra, ter que encontrar argumentos defendendo disparates que qualquer aluno de quinto ano já tem intelecto suficientemente desenvolvido para refutar veementemente.

Não faz muito tempo um meme qualquer sobre o assunto fez com que uma pessoa cometesse um comentário indignado, que não “printei” no momento e de cujo teor exato agora não recordo. Era uma moça que dizia que nós, que reagimos aos teóricos do absurdo, deveríamos nos preocupar com coisa mais útil do que tirar sarro de gente burra que se engana pensando que é esperta.

Não tiro o direito da pessoa de ficar de saco cheio desse embate, e solidarizo-me com seu enfado. Eu mesmo, se por acaso não estou com o humor bom o suficiente para rir da cara dos idiotas que não acreditam na Ciência, mas creem em teorias conspiratórias absurdas, acabo experimentando do mesmo desgosto.

Entretanto, discordo quando a moça dá a entender que o aumento dos adeptos do “terraplanismo” não seja uma questão importante.

A sociedade humana, da maneira mais geral possível, requer constantes avanços científicos para progredir em todos os campos, inclusive no único que realmente importa, que é o da erradicação das diferenças sociais, da fome, dos regimes de “apartheid”, da violência de gênero, e toda e qualquer outra “pauta progressista” que se possa imaginar.

Quando uma pessoa nega ou refuta conhecimento científico básico, ela está de fato negando a relação entre a ciência e o desenvolvimento da Humanidade. Um idiota fazendo isso é algo risível; milhares de idiotas em coro para negar a ciência são uma amostra terrível de que se aproximam tempos funestos, muito mais do que os dias que estamos vivendo.

Se faço piada das cavalgaduras que realmente acreditam que o heliocentrismo seja uma farsa é porque me compadeço destas almas acostumadas a sentir-se diminuídas e humilhadas pelas pessoas mais capazes de raciocínio, de articulação e de entendimento. Não deve ser fácil para esta gente passar uma encarnação inteira (espero que seja uma só) ofuscadas por sua própria estupidez, embora pareça que a luz dos outros é que embote a deles próprios.

Da mesma forma, elas acreditam em teorias imbecis, infundadas, porque — prepotentes e incapazes de admitir a própria estultice — encontram algum conforto ao pensar que “sabem” de alguma coisa que as pessoas comuns, por isso mesmo muito mais inteligentes, ignoram. Fazem toda sorte de malabarismo linguístico e intelectual para artificialmente inflarem sua autoestima, o que requer atacar ostensiva ou implicitamente quem não sofre dos mesmos traumas.

“Vacina é um esquema do governo pra ver a nossa bunda.” — Lourdes Melo

O perigo da ascensão do “terraplanismo” reside, portanto, na criação espontânea de um exército de energúmenos cujo único objetivo é minar o conhecimento científico, se não por maldade (não digo que não seja), mas pelo menos por imaturidade e incapacidade de admitir que precisam descer do seu pedestal de burrice e dedicar um pingo de esforço para evoluir até o ponto de eles próprios não se sentirem mais párias da humanidade.

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