Como enfrentar a estratégia de comunicação da extrema-direita

As pessoas gostam muito de dizer que o Brasil, assim como o resto do mundo, anda “polarizado” ultimamente. Muitas dizem isso para reclamar que tem gente pensando diferente delas próprias, muitas sem nem saber o que a expressão significa, e alguns com a real intenção de, didaticamente, tentar explicar de maneira mais simples no que as pessoas se tornaram.

Essa “polarização” acontece, basicamente, pela oposição diametral de valores entre as pessoas progressistas e afeitas ao conhecimento, à cultura e à ciência em geral; e os ditos conservadores, retrógrados, preconceituosos, obscurantistas, que norteiam suas vidas por emoções deletérias e urgências de alma que só se acalmam com violência e morte de seus desafetos.

A massa indecisa

No meio de tudo isso tem uma grande massa que circula entre esses dois extremos com grande facilidade: ora se identificando com o discurso do ódio e da morte, ora com o progressismo libertador; ora com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, ora com a assim chamada meritocracia.

Em se tratando de uma eleição, nenhum candidato (ou partido, ou o que seja) está preocupado com os votos dos extremistas; o voto deles será sempre do candidato que representa seus valores e paixões imutáveis. O capital eleitoral que todo candidato quer amealhar é essa grande massa indecisa, que muda de opinião ao sabor dos acontecimentos mais recentes, dos discursos (que vão além da representação verbal — haja vista a quantidade de pessoas que vota no candidato mais atraente, nada importando a elas competência ou caráter) ou do comportamento de manada.

Estratégia de comunicação

Desde 2010, se a memória não me trai, a extrema-direita no mundo entendeu duas coisas muito importantes com relação a esta grande parcela de eleitores que, na prática, deveria considerar-se mais livre que os extremistas em geral:

  • que estas pessoas oscilam para lá e para cá docilmente se forem manipuladas da maneira certa; e
  • que as redes sociais — principalmente o Facebook — são verdadeiras minas de ouro para quem tenha os recursos e a paciência para extrair delas a fórmula de como manipular os indecisos.

Leitura adicional

Depois disso podemos discorrer sobre como eles encontram, analisam e exploram os dados (já o fiz num post recente onde explico por que somos e como podemos deixar de ser massa de manobra na Internet). Ou ainda cabe recomendar leitura adicional, como o livro [minicta url=”https://amzn.to/33k5AWp”]Manipulados[/minicta] de Brittany Kaiser, que foi ela própria funcionária da Cambridge Analytica. E, acredite, você deveria ler este livro.

Insuflação do ódio

A extrema-direita brasileira importou a tecnologia e os métodos que elegeram nos Estados Unidos o candidato mais asqueroso que havia na época. Lá as coisas não foram assim tão fáceis, pois em números absolutos o candidato eleito teve menos votos que seu adversário; mas o modelo eleitoral deles não se importa com isso. Já aqui foi um passeio, pois o candidato eleito — também o mais asqueroso possível — conta naturalmente com a simpatia da maior parte da população ao seu discurso raivoso e destrutivo.

Basicamente, a estratégia de comunicação da extrema-direita consiste em dizer o que a maioria da população quer que alguém diga, a ela não interessando veracidade, consequências e menos ainda a vida de quem possa ser afetado pela informação que consomem.

A estratégia de comunicação dessa direita criminosa consiste justamente em mexer com os medos das pessoas, porque sabem que o medo leva ao ódio; e uma vez que as pessoas estejam com o ódio fervendo nas veias (o que já faz anos, no caso do Brasil) elas criam “notícias” falsas atribuindo aos adversários políticos os crimes que as pessoas mais temem.

No passado mexeram com o medo de as pessoas serem roubadas ou lesadas, e atribuíram à esquerda os crimes de corrupção, roubo, participação em mamatas, etc. Inventaram muitas mentiras, distorceram narrativas, tudo com o objetivo — alcançado — de fazer a massa odiar os políticos mais à esquerda, progressistas e identificados com causas humanitárias.

Eles também perceberam que este medo por si só talvez não fosse suficiente para garantir a eleição, e também mexeram com outro pavor constante em todas as pessoas, já que todo mundo foi criança, e muitos têm filhos e netos que amam: o temor do abuso sexual, a pedofilia.

Assim, inventaram mais duas mentiras muito bem sucedidas, que amealharam uma récua de quase 60 milhões de cabeças: o kit gay e a mamadeira de piroca. Claro que não foram as únicas, mas foram as que mais colaram, apesar de parecerem as mais anedóticas de todas.

A comunicação da extrema-direita até 2022

No Brasil, a escória moral que foi alçada ao posto de líder segue os passos do candidato com cara de moranga nos Estados Unidos. Quem quiser saber como vai ser a estratégia por aqui só tem que olhar para o que estiver acontecendo lá, lembrando que já há muitos anos que as empresas que prestam consultoria para os candidatos vêm juntando dados e com isso têm suas estratégias alinhavadas com muita antecedência.

A tônica da eleição presidencial nos Estados Unidos, este ano, vai ser a pedofilia, que também vai ser a mesma usada aqui no Brasil. Como acabei de dizer, em 2018 precisaram fazer uso desta carta que seria o super trunfo para 2022, mas agora vão começar a bater muito forte nos adversários, com o objetivo puro e simples de desacreditá-los perante toda essa população que tem cor de fascista, gosto e cheiro, textura, temperatura e densidade de fascista — mas não é, ou diz não ser, fascista.

Sugiro a leitura da seguinte matéria do jornal online The Intercept para mais informações sobre este movimento, que nos Estados Unidos está sendo arrastado por um movimento chamado Qanon, ou Q-Anon: Vakinha permite que anônimo use seu site para financiar falsas acusações de pedofilia.

Efeitos destrutivo de uma acusação de pedofilia

A direita que foi alçada ao poder pelo voto popular sabe que uma acusação de um crime tão repugnante como o abuso sexual de crianças não passa em branco para o acusado. Não importa se a acusação seja totalmente falsa, tenha alguma coisa de verdade, ou seja absolutamente verdadeira: a pessoa que sofre esse tipo de ataque vai ter sua reputação abalada, porque o objetivo é justamente insuflar o ódio, que é fruto do medo, das camadas menos pensantes da população — e isso nos inclui, cara pessoa leitora, razão pela qual precisamos saber onde estamos pisando.

Quem for muito jovem talvez não lembre de um caso acontecido em 1994 em São Paulo, que ficou conhecido como “o caso da Escola Base” ou coisa assim. Foi um circo midiático armado em cima de acusações falsas de abusos e orgias com crianças pequenas que custaram tudo aos donos da escola. Com o tempo ficou provado que não havia nada de realidade naquele furdunço todo, mas o estrago já estava feito e nada poderia desfazer ou compensar a destruição causada na vida dos empresários, donos da escola.

O que veremos daqui para 2022 serão ataques ordenados, planejados, de proporções imensas, com o objetivo de tornar a vida dos possíveis adversários num inferno de descrédito e pânico. Uma amostra do que eles estão pretendendo fazer já foi possível de se ver no caso recente das acusações falsas contra o influenciador Felipe Neto, que parece ser dos poucos comunicadores no Brasil que entenderam como usar a Internet para falar para dezenas de milhões de uma só vez, sem ser político de extrema-direita guiado pelos consultores das caríssimas empresas gringas.

Como combater a comunicação da extrema-direita

Só existe uma maneira de combater a estratégia de comunicação desta direita que está aí: jogando o jogo dela, usando as mesmas armas, combatendo patifaria com patifaria.

A extrema-direita investiu milhões — não temos nem como saber o quanto, mas quem pagou e continua pagando somos nós, contribuintes — para desenvolver todo um discurso milimetricamente calculado, até mesmo nos IMPRECIONANTES erros grotescos de Português. Palavras escolhidas a dedo, memes calculados, medidos, pesados, refeitos, e só então enviado para a manada de diabos-da-tasmânia com cara de jumentos que decide eleição. Ataques orquestrados e executados com violência e constância para quebrar qualquer resquício de discernimento da massa.

Não vai ser com iniciativas cirandeiras, rodas de conversa e de exercício de hoponopono, dança ao redor da fogueira e notas de repúdio que uma máquina azeitada e alimentada por milhões de Dólares e de idiotas úteis vai ser desmantelada. Se desse para chamar isso de ingenuidade pelo menos seria fofinho, itimalia, mas é estupidez mesmo.

As esquerdas se quiserem ter a chance de pelo menos chegar ao segundo turno — contando que vá haver eleição para presidente em 2022 — precisam se unir agora para elaborar uma estratégia de financiamento e organização para analisar sem paixões o inimigo, entender seus métodos e fazer uso do conhecimento que ele já construiu nestes últimos dez anos ou pouco mais. Precisa ser um movimento ao menos inicialmente silencioso, sem caras à mostra, que resultem em ataques aparentemente orgânicos àquilo que a massa infiel mais valoriza no seu candidato.

Não adianta ninguém querer achar que uma foto do asno ao lado do coronel que foi preso por pedofilia — logo um criminoso abjeto mesmo — tenha qualquer valor para essa gente: não tem. Os memes precisam ser mais simples, com menos palavras e mais contundência que os do inimigo, precisam mexer com os medos mais profundos dessa gente, inclusive se houver algo mais apavorante que o medo da violência contra crianças este deve ser usado.

Só tem um problema nisso tudo: eu, que nem estudo tenho, sei o que deve ser feito, imagine os intelectuais, filósofos, estudiosos, cientistas em geral que se alinham com os ideais da esquerda: eles também sabem. Porém, para levar uma estratégia dessas a termo é necessário não ter valores como respeito à verdade, à inteligência e à dignidade alheias; é necessário pensar com uma frieza que só psicopatas nojentos conseguem, sem falar dos rios de dinheiro para pagar por isso tudo. E talvez na esquerda não tenha gente suficiente com esse perfil sórdido para derrubar a máquina de mentiras da extrema-direita.

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3 comentários
  • Ricardo Lohmann Responder

    Ótima crônica, como sempre! ??

    • Janio Sarmento Responder

      Você é muito generoso comigo, Rico. 🙂

    • Cordeiro de Sá Responder

      Que soco no estômago!

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