A covardia e o aparelhamento do Judiciário a favor do autoritarismo
Vejo muitos de meus amigos preocupados com a situação em que se encontra o Brasil, num fim de semana em que, oficialmente, quase 4.000 pessoas morrem diariamente de COVID-19. A despeito disso, alguns manifestam o desgosto com a situação, e muitos se calam.
Dos meus amigos que se calam as linhas do tempo em suas redes sociais só têm conteúdo “isentão”, tais como fotos de comida, vídeos de gatinho, lembranças de viagem, piadas sem nenhum cunho político, rezas e correntes, algumas brincadeiras, e um pouco de arte.
Embora este tipo de atitude isentona não me sirva, não posso julgar meus amigos por suas escolhas de não dar a cara a tapa, pois a causa deste comportamento não necessariamente é apoio ao autoritarismo, ao higienismo, e a qualquer outro vício destes facilmente identificáveis no discurso comum da maioria dos brasileiros. Não posso, mas julgo. Desculpem.
Manifestação política e perdas diretas
Vejo dois tipos de pessoas com possibilidade de perdas diretas caso manifestem sua visão política publicamente.
O primeiro tipo é quem tem medo de perder o emprego, seja por trabalhar para apoiadores do fascismo como regime de governo, seja por exercerem cargos para os quais foram indicados politicamente; basicamente, é o medo do futuro imediato caso fiquem sem seu sustento.
O segundo tipo, mais raro em minha percepção, é quem ainda não tem uma estabilidade na vida e precisa enfrentar uma família preconceituosa que não hesitaria e jogar no olho da rua uma pessoa “comunista” (como eles chamam qualquer um que valorize as pessoas, inclusive e principalmente as mais vulneráveis porque são as que mais precisam de ajuda).
Perdas indiretas causadas pela manifestação política
Há também pessoas que evitam de manifestar suas opiniões e pensamentos porque elas temem ser alvo de ações judiciais absurdas que as deixariam em sérios problemas. Infelizmente, tal temor não é injustificado.
É comum das milícias que controlam oficiosamente o país contarem com um “exército” bem organizado de profissionais sempre prontos a judicializar o que quer que possam.
Os figurões, bem patrocinados, contam com times de advogados prontos a tentar tirar pelas orelhas o fígado de uma vítima de sua sanha. Outros, menos endinheirados, compensam essa deficiência em termos de poder ofensivo com ataques conjuntos e dispersos por todo o território nacional, em quantidades absurdas, com o fito de minar todos os recursos (financeiros, psicológicos, ou quaisquer outros) contra seus inimigos.
Para entender melhor, faça um exercício de imaginação: imagine que você mora aí mesmo onde mora; aí você escreve alguma coisa que o batalhão de apoiadores da truculência, da ignorância e da morte não gosta.

Como eles estão espalhados pelo mundo inteiro, não só no Brasil, e a maioria deles é de desocupados, eles se organizam para entrar com dezenas ou centenas de ações contra você.
Aí, você está aí na sua casa, e os processinhos começam a chegar, te obrigando a no mínimo constituir advogado em cada biboca onde estejam de processando. Num dia você pode precisar estar no interior do Piauí, no outro no interior do Amazonas, talvez até no mesmo no Rio Grande do Sul, depois ou ao mesmo tempo no Rio de Janeiro, em Rondônia, no Maranhão…
Entendeu, né?
Se uma coisa dessas acontecesse comigo, eu seria obrigado a viajar para Cuba, e de lá escapar de carro para a África do Sul — como um taxista em Porto Alegre me disse um dia que seria a fuga do Lula caso fosse preso, porque o grupo do “zapzap” já tinha denunciado todo o esquema.
Felizmente, Cala a Boca Já Morreu e existem iniciativas que se propõem a oferecer ajuda especializada a quem estiver tendo problemas por ter exercido seu direito e sua liberdade de expressão para criticar autoridades públicas. É uma esperança que há poucas semanas sequer tínhamos.