Competências Disfarçadas: Quando Saber Não Significa Amar

Já parou para pensar em quantas coisas você sabe fazer, mas detesta? Conversava eu com uma amiga e surgiu o assunto de proferir palestras. Embora tanto ela quanto eu sejamos despachados (ela mais), inteligentes (ela muito mais), articulados (ela mais, e vou parar de dizer isso porque é padrão) e competentes, para nós dois falar em público é uma tortura. Não é nem questão de timidez, é uma outra coisa que eu nem sei nomear.

Da mesma forma, eu sei formatar computador, sei trocar peças, sei até soldar. Também sei ler um esquema elétrico ou eletrônico. Sei projetar placas de circuito impresso, comprar componentes e montar aparelhos.

Só que também não gosto de fazer.

Também sei cozinhar como qualquer ser humano responsável por si deve saber, e minha comida é boa. E não tem nada a ver com cozinhar com carinho, porque se eu cozinhar vai ser sempre na força do ódio. Porque eu sei, mas não gosto de cozinhar.

A competência não é medida pelo afeto que nutrimos por uma atividade. Muitos de nós somos bons em algo que não gostamos de fazer. E aí, reside uma pergunta interessante: por que sabemos fazer algo que não gostamos? A resposta pode estar nos vários caminhos que a vida nos leva, nas obrigações e nas circunstâncias.

Lembro-me de um professor que tive na faculdade. Ele era um dos melhores no que fazia, suas aulas eram espetaculares, mas em uma conversa mais próxima quando eu já não era mais seu aluno, confessou que detestava dar aulas. Sua paixão era a pesquisa. Ele era professor porque, em algum momento da vida, precisou ser. Não porque queria.

E assim acontece com muitos de nós. Quem nunca se viu fazendo algo que detesta só porque precisava? Quem nunca teve que aprender a lidar com uma tarefa apenas porque era uma exigência do momento? A questão não é apenas saber fazer, mas como nos sentimos em relação a isso.

Alguns dizem que deveríamos fazer apenas o que amamos. Que devemos perseguir nossas paixões. Mas a realidade nem sempre permite. Às vezes, nossas habilidades são moldadas por necessidades e não por desejos.

Por outro lado, também é verdade que muitos descobrem paixões em lugares inesperados. Aquele hobby que nunca pensamos que iríamos gostar se torna uma vocação. A tarefa que odiamos acaba se transformando em um talento especial. Por exemplo, eu aprendendo Python aos 50 anos de idade, e adorando essa nova habilidade (principalmente porque sou pago para isso).

No fim das contas, nossa relação com o que sabemos fazer é complexa. Ela é moldada por tantas coisas: pela nossa criação, pelas circunstâncias da vida, pelas necessidades e desejos. O importante é reconhecer que não somos definidos apenas pelo que amamos, mas também pelo que sabemos fazer. E, talvez, o verdadeiro desafio seja encontrar alegria ou, pelo menos, um propósito em tudo que fazemos, mesmo que não seja nossa primeira escolha. Porque, no fim das contas, o conhecimento e a habilidade que temos são presentes. E talvez haja beleza em reconhecer isso, mesmo que não amemos cada aspecto da jornada.

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