Não te Demores Onde não te Apreciam

Depois que saí do banco público, fui trabalhar em uma empresa de cibersegurança que parecia organizada por fora — código limpo, processos claros, tudo nomeado e armazenado onde devia estar. Mas havia algo fora do lugar.

Ninguém era cruel — mas também ninguém era acolhedor. Era como uma dança ensaiada, e quem não sabia os passos ficava de lado. As pessoas eram educadas e distantes. Tinham piadas internas, rotinas definidas, um ritmo que não esperava por quem ficasse para trás. Ninguém me disse que eu não pertencia. Não precisavam.

Eu precisava do dinheiro, então fiquei. Fiquei na minha, fiz meu trabalho, almocei sozinho. Não porque preferisse assim, mas porque ninguém nunca abriu espaço. As reuniões começavam com uma oração ou uma piada feita para não me incluir. Essa era a intenção. Não doía, exatamente — só deixava claro o contorno.

Fiquei tempo demais. Cada tarefa era como tatear um corredor na penumbra — familiar o bastante para seguir em frente, mas não sem tropeços. Eu pedia orientação, eles sorriam, e no dia seguinte davam outra resposta. Tentei acompanhar o ritmo, mas as metas nunca ficavam no mesmo lugar. Quando algo quebrava, a culpa caía em mim. Quem tinha o contexto de verdade? Continuava em silêncio.

As rachaduras mais profundas surgiram quando precisei depender dos outros. Precisava de insumos reais — especificações, decisões, compromissos. O que recebi foram atrasos disfarçados de diplomacia, contradições embrulhadas em linguagem polida. E quando o produto dava problema, a culpa vinha fácil. Eu tinha montado aquilo com sobras, mas ninguém se importava com a receita — só com a bagunça.

Um dia, simplesmente parei. Sem escândalo, sem despedida. Mandei meu crachá pelo correio como se fosse material radioativo e nem me dei ao trabalho de buscar o último salário. Não estava com raiva; só esgotado.

O burnout não apenas te esgota — ele muda a forma como você enxerga o ambiente. Você começa a notar as portas que, tecnicamente, estão abertas, mas nunca foram feitas para você. Quando consegui pensar com clareza de novo, abri uma empresa de hospedagem de sites. Não porque eu tivesse uma grande ideia. Mas porque eu não aguentava mais tentar conquistar espaço em lugares que já tinham decidido que eu não cabia.

Funcionou. Podia ter dado errado. Mas tomei uma decisão e segui com ela: se a única forma de continuar é engolir tudo calado, senão não vale a pena continuar.

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