A estupidez de hostilizar usuários de tecnologia

Existe um tipinho de gente que me tira facilmente do sério: aquele irritante que está o tempo todo competindo pela atenção das pessoas com os celulares delas.

Outro dia estávamos meu amigo (quarentão como eu), o sobrinho dele (adolescente) e eu na mesma sala, depois de jantar, os três de olho vidrado na tela do celular, e em silêncio. Quem passasse e visse a cena poderia pensar duas coisas.

A primeira coisa que poderiam pensar é que ali estavam três alienados, misantropos, isolados do mundo e usando o visor de LCD para não precisar nem olhar na cara de quem estava na sala.

A segunda coisa que poderiam pensar, que seria a correta mas também a menos provável de passar na mente de um irritante desses, seria a de que estávamos os três conectados na mesma disputa, competindo entre nós e com outras pessoas que nem sabemos quem são, num jogo de simulação de corrida.

Pois hoje compartilharam uma bobagem que apareceu na minha linha do tempo no Facebook como se fosse algo a se considerar como motivo para uma raça alienígena ultra-avançada não dizimar a humanidade:

Recorte de tela dizendo: No ponto de ônibus, me distraio com o livro. Nem vejo o Fazendinha chegar. Mesmo sem eu fazer sinal, a motorista para. Agradeço a gentileza e peço desculpas pela distração. Nada, a leitura devia estar boa. Se estivesse no celular era outra coisa.

OK, o gesto da moça de parar para o passageiro mesmo sem ele ter pedido foi bacana. Mas como dizia o Velho Jaime, meu pai: fez com as mãos e desmanchou com os pés, apesar de uma horda de babacas ter aplaudido o gesto dela incondicionalmente.

Imagino que a motorista do ônibus em questão nem tenha o hábito de ler. Se tem, nunca ouviu falar de Kindle, e dos aplicativos para leitura que existem para tablets e espertofones.

Eu mesmo leio muito mais de 90% dos meus livros em um dispositivo móvel (Kindle, iPad, telefone). Tenho no mínimo uns quarenta títulos na minha biblioteca da Amazon, material que seria muito desconfortável de carregar comigo caso fossem volumes físicos, de papel.

Aí, se fosse eu no ponto do ônibus, o que a mulher faria? Abdicaria da gentileza pelo fato de eu não estar lendo num pergaminho (ou ouvindo música numa vitrola)?

De fato, ela apenas demonstrou que é uma dessas pessoas irritantes que têm ciúmes dos celulares dos outros (eu acho que é porque essas pessoas sabem que são muito menos interessantes que o celular). Aliás, acho mais: acho que ela é incapaz de ler no celular ou no tablet, e por isso julga os outros por ela mesma.

Mas, ei, ela nem poderia julgar os outros a não ser por si mesma. Nem eu. Estamos quites.

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