Coragem, são todos teus irmãos

Este é mais um post “requentado”, originalmente publicado em 12 de julho de 2007, que além de contar uma história (real) sobre um ser humano em situação extrema, me faz lembrar que há apenas três anos tudo o que eu tinha no bolso eram umas fichinhas de vale transporte.

Ontem fui a São Leopoldo almoçar, e voltei de metrô trem para Porto Alegre. Iniciei o passeio sentado, mas logo acabei cedendo meu lugar para uma senhora de idade avançada que se equilibrava de pé no corredor, indo postar-me ao lado da porta, escorado na parede do vagão. Gosto de ficar por ali porque, principalmente, em cada parada a gente dá uma ajerada, pode olhar pra rua, etc.

É comum, principalmente nesse horário cedo da tarde, que pessoas entrem nos vagões para tentar vender alguma bugiganga, ou então para pedir, esmolar mesmo.

Tem um rapaz que eu já tinha visto em outras oportunidades, e ele sempre conta a mesma história: ele, a mulher e o filho têm AIDS, ele deve muitos meses de aluguel, está para ser despejado novamente, foi internado e saiu há pouco do hospital, etc. Ele vende umas canetas, qualquer colaboração que lhe dêem é retribuída com uma caneta.

Estava eu, portanto, próximo à porta, e numa determinada estação o rapaz entrou no vagão, que estava bem cheio mas não lotado. Parou perto de onde eu estava, e disse pra si mesmo, quase em oração:

— Coragem! São todos teus irmãos.

Foi terrível para mim. Afinal, eu próprio era um dos que não acreditavam na história do cara. Acontece que ouvi-lo dizer a si mesmo para ter coragem, pois ele estava entre irmãos, me fez ver que não tem nada a ver com pilantragem ou vadiagem o discurso dele, é apenas desespero e necessidades temperados com constrangimento e humilhação.

Não ouvi uma palavra do que o rapaz disse. Nem precisava. Tudo o que eu tinha de ouvir para me convencer a dar o que eu tinha no bolso naquele momento (algumas fichinhas de vale-transporte) era a frase de encorajamento dele para si mesmo.

Obrigado a esse rapaz, por lembrar-me do óbvio: somos todos irmãos, entendamos isso ou não.

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