Escreva crônicas como um profissional
Pouca gente sabe, mas em 2000 eu voltei à faculdade para cursar Letras Português/Inglês — mas não concluí o curso. Lembro da primeira aula da cadeira mais importante que eu poderia ter assistido: Produção Textual.
A professora perguntou a cada um dos alunos por que estava na faculdade de Letras, e o único que não pretendia virar professor era eu (foi devido à forte ênfase em pedagogia e didática que me desinteressei pelo curso, a propósito). Quando eu disse pretender desenvolver o talento para escrever e quem sabe viver dele a turma toda riu. Mas foi só até a leitura da primeira crônica escrita por cada um, quando muitos vieram pedir desculpas por uma semana antes terem me rotulado de prepotente.
Dica: eles não estavam errados na primeira semana. 😉
A cadeira de Produção Textual foi extremamente importante para mim porque me deu embasamento teórico para um talento com o qual nasci, ensinou-me regras e conceitos — que eu constantemente desrespeito ao escrever — que não tornam nenhuma ideia vazia em obra-prima, que entretanto podem ser o diferencial entre uma ideia bacana exposta de maneira eficiente e a mesma apagada por uma redação ruim.
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Narrativa versus Textos Informativos
Na faculdade nossa ênfase era na produção de textos narrativos, por o curso ser muito voltado à literatura. Entretanto, a essência destes ensinamentos pode ser identificada em praticamente toda parte, pois é bastante difícil de informar e emitir uma opinião sem recorrer aos recursos da narrativa.
As Partes da Narrativa
A narrativa se divide em cinco partes:
- Situação inicial (ou introdução);
- Complicação;
- Ação (ou reação);
- Resolução;
- Situação final (conclusão, ou “moral da história”).
Vamos dar uma rápida olhada em cada uma delas.
1. Situação inicial

Todo texto tem que começar pelo começo, e o começo é onde todas as coisas do texto começam, como talvez dissesse Forrest Gump. Pode parecer óbvio isso, mas com o advento da autopublicação (quando o próprio autor faz tudo, desde escrever até publicar, passando por corrigir e editar) é impressionante a quantidade de textos que perdem o leitor (eu, no caso) já no primeiro parágrafo porque falham em estabelecer um vínculo que desperte o interesse no restante do assunto. Raros são os autores que têm “a manha” de escrever as sentenças iniciais de um texto para fazer com que o leitor “compre” o post dele.
Cada caso é um caso, e com isso quero dizer que cada texto é único, e tem suas próprias características. Caberá ao autor encontrar, para cada texto, a melhor fórmula.
Uma dica que pode ser usada, em se tratando de narrativa, é apresentar o personagem principal (ou os personagens), ou o fato gerador de toda a trama que vai ser descrita a seguir. O mesmo conceito pode ser aplicado em textos informativos ou didáticos: pode-se utilizar as primeiras sentenças do texto para apresentar os conceitos ou variáveis que se pretendem desenvolver nas etapas seguintes.
Aqueles mais acostumados a ler não terão dificuldade em identificar como outros autores “resolvem” essa questão. Porém, até mesmo aqueles mais chegados em vídeos e “podcasts” perceberão que toda palestra, todo filme, toda apresentação, conta com uma situação inicial bem definida, fundamental para o desenvolvimento do restante do conteúdo.
2. Complicação

Exposta a situação inicial para o leitor, é hora de entregar ao leitor a complicação, ou seja, o aprofundamento no conflito ou na ideia que se deseja explorar. Normalmente a transição da situação inicial para a complicação é imperceptível quando o leitor já foi “fisgado” no começo do texto.
É nesta etapa que o autor pode criar toda a tensão necessária para expor seu ponto de vista, ou para expor os fatos que definem o drama dos personagens — no caso da narrativa.
3. Ação (ou reação)

No caso da narrativa, a terceira parte do texto deve ser uma ação ou reação (quando originada da complicação por si mesma), uma “virada” na história. De maneira geral, é o momento de apresentar contrapontos à tensão criada na etapa anterior, de forma a dar ao leitor o conhecimento que lhe falta para poder, ele próprio, formar uma opinião.
4. Resolução

Expostos todos os lados do conflito — seja no caso de narrativa ou não — deve o autor apresentar uma resolução à trama. Se não estivermos tratando de narrativa, é nessa etapa que traçamos os comparativos entre os pontos e contrapontos apresentados mais cedo, e preparamos o leitor para “comprar” o nosso ponto de vista, ou nosso produto, ou o que estejamos tentando “vender” ou vender.
Em muitos casos o autor já poderá fechar o texto nesta etapa, finalizando a construção, perante o leitor, de seu ponto de vista ou de seu argumento.
5. Situação Final

Agora que você já apresentou a situação que deseja abordar, aprofundou-se nos problemas ou conflitos, deu ao leitor os contrapontos ao problema e apresentou a solução ao problema, é a hora de algo tão negligenciado quanto importante: a conclusão do texto.
A situação final deve ser escrita de forma a dar ao leitor a sensação de que ele chegou, realmente, ao fim do texto que estava lendo. Você pode repetir rapidamente as ideias centrais do texto, por exemplo. Ou pode usar o artifício de “moral da história”. Ou qualquer outra coisa que sua sensibilidade diga que é adequada para cada texto que esteja escrevendo.
O importante é que toda produção textual, principalmente a narrativa, deve ser encerrada com uma situação final tão bacana quanto as partes que a antecederam.