Não Dá pra Terceirizar Julgamento

Meu primeiro contato sério com geração de código por IA foi com o Cursor, e me pegou de surpresa. Não por causa da interface ou da área de conversa com o bot, mas pelo autocomplete. Parecia que a máquina já sabia o que eu ia escrever. Não era aquele autocomplete genérico de IDE — era mais afiado.

Eu começava uma ideia e ele completava com algo que fazia sentido. Não só sintaticamente correto, mas algo que eu mesmo poderia ter escrito. Pela primeira vez, senti que não estava programando sozinho. Tinha um copiloto (sem trocadilho). E às vezes, parecia pronto pra assumir o manche.

Apoiei-me forte nesse copiloto quando comecei a aprender Go. Pedi explicações, exemplos, walkthroughs. Era como ter um tutor com paciência infinita e conhecimento quase ilimitado — quase.

Porque sim, ele erra. Já vi gerar código com uma confiança absurda e totalmente errado. Funções que parecem perfeitas até falharem de forma discreta. Soluções que desmoronam quando você olha direito. Minha produtividade aumentou, sem dúvida — mas continuo revisando tudo. Escrevo menos, penso tanto quanto antes — talvez mais.

A maior mudança foi na forma como converso com a máquina. Posso descrever um algoritmo em português ou inglês, e ela devolve algo bem próximo do que eu queria. Isso é poderoso e economiza tempo. Mas exige atenção: código bonito pode estar completamente errado — com bug sutil, suposições furadas ou só uma bobagem bem empacotada. E quando dá errado, adivinha quem leva a culpa?

O que mais me incomoda, no entanto, não é técnico. É ético.

Grande parte desses modelos foi treinada com código raspado de repositórios públicos — sem consentimento, sem crédito, sem nem um “com licença”. E todo mundo meio que decidiu que, se tá online, tá liberado. Pior: estamos ficando confortáveis demais deixando a máquina pensar por nós. É fácil apoiar-se na IA, — fácil demais. Até você esquecer como resolver as coisas por conta própria.

IA pode ensinar. Pode acelerar. Mas não deve fazer o seu trabalho. E, definitivamente, não pode te fazer esquecer como pensar.

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2 comentários
  • Julio Saito Responder

    plenamente certo, como sempre. gosto do jeito que escreve, é gostoso de ler.
    sobre o texto: na minha opinião, todo mundo tem opinião nisso de IA, a nova geração tá ferrada. Vai ter que ter o controle de desligar ou usar com muita parcimonia para aprender novas linguagens. Pra gente que é cachorro velho, só ajudo, mesmo.

    • Janio Sarmento Responder

      Obrigado, Julio!

      E se eu te disser que esse foi um dos posts que menos gostei de ter feito? Fiquei sem saber como encerrar, sobre o que mais adicionar, se teria coisa demais… Aí taquei um f*da-se e publiquei assim mesmo e — que surpresa — ele rendeu elogio explícito! 🙂

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