Não é por mim que estou isolado, é por você

Já perdi a conta de há quantos dias estou isolado, ao máximo possível, de outras pessoas. Não saio para fazer compras, não vejo pessoas; na verdade, só saio de dentro de casa se realmente não tiver escolha — como quando vou levar o lixo para fora, ou eventualmente receber alguma entrega na portaria do condomínio.

Engana-se, contudo, quem pensa que meu respeito às regras do distanciamento tenha a ver com o medo de contrair COVID-19, ou mesmo de morrer.

Felizmente, sou um sujeito que tem a vida resolvida: não devo nada a ninguém, não tenho dependentes, minha empresa funciona sem minha pessoa (embora eu ame meu trabalho), e não tenho medo da morte.

Ainda assim, respeito totalmente o distanciamento, porque não é por eu não temer doença ou morte que eu deseje isso para as outras pessoas. Para mim, pior do que morrer seria eu ter a desconfiança de ter sido vetor de infecção para uma outra pessoa que viesse a adoecer, ou até pior.

É por isso que digo sinceramente que penso no meu semelhante, inclusive nos que prefeririam que eu estivesse enterrado na Ponta da Praia, quando fico em casa o máximo possível, respeitando todas as orientações de higiene e cuidado.

Ficar em casa é um privilégio

Alguém escreveu esses dias que a classe média em isolamento enfrenta o tédio, enquanto os pobres enfrentam a fome. É verdade.

Não é o meu escritório em casa, só achei bonito.

Sou consciente dos privilégios que tenho, e grato por cada um deles. E sei que poder trabalhar de casa, sem precisar ir para a rua todo dia defender o ordenado é um privilégio imenso. Se eu construí essa realidade no decorrer dos anos? Sim, claro! Mas ter a oportunidade de fazer essa construção também é um privilégio.

Para as pessoas que não podem se dar ao luxo de ficar em casa, desejo-lhe sorte — já que não temos políticas públicas que as protejam. A elas agradeço pelo sacrifício que fazem, pelos riscos que correm, para que privilegiados como eu possam usufruir do privilégio de não sair para nada. É principalmente por elas que eu não saio de casa, para diminuir o risco de transmissão, e para que eu não seja um a mais disputando uma vaga de UTI com outras pessoas.

Já para as pessoas que podem ficar em casa e não ficam, o que tenho a dizer é: sossega esse rabisteco, segura esse fogo! Não tem nada que ficar fazendo visita pras amigas, participando de evento social. Porque não é sobre a sua saúde, assim como não é sobre a minha; é sobre a das pessoas mais vulneráveis, das que não podem deixar de sair, das que não têm a mesma oportunidade de praticar a empatia da mesma forma que nós.

Poder ficar em casa é um privilégio. Se você o tem, usufrua pelo bem de todos.

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