O Bullying e o Tempo
Todo mundo conhece a história (verossímil) do empresário fodão que nega emprego pra um incompetente qualquer que na época da escola fora seu algoz. Todos ficam alegrinhos com o desfecho de vingança tardia que a história toma.
Na época de escola eu sofria um bocado de bullying de diversas formas diferentes. Cresci, tornei-me empresário, fodão, mas nunca tinha pensado nessa coisa de vingança no decorrer do tempo.
Verdade seja dita, se por um lado o bullying que faziam comigo era físico (me batiam, ou pelo menos tentavam), eu tampouco perdia uma oportunidade de revidar fazendo bullying intelectual. O mais comum era eu os chamar de xingamentos que seus vocabulários limitados não abrangiam, mas não foram poucas as vezes que preenchi errado as grades de respostas das minhas provas só porque eu sabia que tinha bully colando, e preferia eu mesmo me ferrar do que facilitar pro lado deles.
No segundo grau (que na minha época era totalmente profissionalizante), no curso de eletrotécnica, eu tinha um outro expediente também maligno: quando podia e o ódio extrapolava o limite do autocontrole eu pintava com esmalte transparente os pinos das tomadas e conectores elétricos dos bullies. Pouca gente se dá conta do quão poderoso isolante elétrico o esmalte de unhas pode ser.
Lembro que naquela época eu era precoce, apesar de grande tinha menos idade que a média geral dos alunos na mesma série, mas tinha um valentão babaca que se achava o gás da Coca-Cola. Já tinha pelo menos dezoito anos (porque tinha carro), era filhinho de papai, usava perfumes importados quando os demais sequer conseguiam comprar um d’O Boticário. E pior: ele fumava e já não era virgem, o que fazia com que ele humilhasse um bocado a maior parte de nós.
Uma vez ele fez alguma coisa na sala de aula, e todo mundo ficou com medo de dedurar, porque ele poderia ser expulso da escola (e foi). Quando o diretor perguntou por que ninguém dizia nada eu disfarçadamente #SQN disse:
— Ninguém fala nada porque todo mundo tem medo do fulano de tal.
Era verdade, todo mundo tinha medo daquele bandido de classe alta que se regozijava em pensar que era melhor do que os demais.
Poucos minutos depois eu estava sozinho no pátio da escola, e ele se acercou de mim, e me deu um soco. Não reagi, primeiro pela surpresa e pelo atordoamento causado pelo golpe e segundo porque uma legião de virjões se materializou ao meu lado para me defender.
O valentão saiu xingando e dizendo que eu iria me arrepender do que tinha feito (trinta anos se passaram e eu não me arrependi). E eu dizendo que meus amigos até então virgens não me deixariam ter qualquer arrependimento. Finalizei chamando-o de coitado, de infeliz que só tinha coisas, mas não tinha nem o afeto dos pais, que achavam que ausência poderia ser compensada com um carro.
Enfim, acabei lembrando desse traste, e dei-me conta que tenho contato com muitos dos meus amigos daquela época, via redes sociais principalmente, mas também contato pessoal. E fui procurar pelo nome do valentão no Google, no Facebook, e até no Wolfram Alpha.
O infeliz não tem absolutamente nenhuma presença online. Nenhuma.
E eu fiquei na dúvida entre pensar que ele se iluminou, virou monge e foi morar nas montanhas; ou que meus amigos virjões do passado possam ter ido um pouco longe demais naquela história de me defender.
pô adorei seu blog!