O Casal de Artesãos
Uma das primeiras mudanças importantes e significativas que tive na vida aconteceu quando passei para a quinta série. Eu tinha 10 anos, e pela primeira vez na vida sairia da barra da saia da mãe, precisando tomar ônibus todo dia para ir para a escola que parecia aquelas de filme de gangue, com gente ruim pra tudo que é lado.
Ao lado da escola havia uma cabana em que morava um casal que parecia viver de artesanato em couro (botas, sandálias, casacos, peças decorativas em geral). Nunca soube o nome das pessoas, mas eles foram muito marcantes para mim. Tanto que um dia cheguei em casa e disse para meu pai que eu queria ter a vida daquele cara.
— Vai vender artesanato em couro pra viver?
— Não sei do que vou viver, mas a vida dele é perfeita: ninguém se mete na vida dele, ele não se mete na vida de ninguém, parece que gosta de fazer o que faz pra viver, tem uma mulher de quem ele gosta e que gosta dele, eles transam quando bem entendem, e ainda têm um carro bacana pra fazer as correrias.
“Carro bacana” no caso era uma TL. Deus me livre de ter uma TL hoje em dia, não sei o que faria com ela. Acho que tacaria fogo.
Meu pai disse que era um excelente plano, principalmente a parte de não se meter na vida de ninguém e não ter ninguém se metendo na minha.
Quase quarenta anos se passaram desde aquele tempo, mas tenho nítida a imagem daquele casal que vivia sua vida num misto de capitalistas e hippies, e recentemente essa memória tem-se feito mais presente em minha mente.
Se o Janio de 10 anos pudesse me ver hoje, certamente ele estaria orgulhoso. Se eu pudesse encontrá-lo eu diria para ficar tranquilo, “vai dar tudo certo.”