O Dia em que Fui Trabalhar Pelado
Não, eu não estava literalmente pelado — apenas sem carteira, sem dinheiro, sem documento; só de jeans, camisa de botão vagabunda e aquela sensação no estômago de quem percebe — tarde demais — que foi parar em outra cidade sem ter como voltar.
Era pra ser simples: visita rápida a um cliente, quinze minutos de serviço no máximo; depois, casa. Só que aí fui pegar a carteira… e nada. Aquele vazio gelado que congela a espinha. Tinha esquecido em casa. Nem uma moeda no bolso.
O cliente nem se abalou. “Preciso que alguém leve uns documentos na junta comercial. Te pago pelo dia se resolver isso.”
Como a dor ensina a gemer, aceitei. Fui assim mesmo, pasta na mão, sem RG, sem almoço, sem plano B. Tentei parecer que eu pertencia àquele lugar — difícil, quando você se sente num sonho esquisito, cercado de dúvida e cara de pau.
Foi aí que a sorte apareceu. Entrou um coroa bem vestido, relógio caro, do tipo que suscita paparicos. Alguém cochichou o nome: Carlos Eduardo era o nome do figurão que certamente era influente por ali.
Quando chegou minha vez, a atendente já estava com cara de quem ia dizer não antes mesmo de ouvir. Foi quando o celular tocou — o cliente querendo saber como eu estava — e eu aproveitei: falei alto o suficiente pra ela ouvir, mas baixo o bastante pra parecer discreto. “Cadu, tô aqui. Não quis te abordar quando entrou. Sabe como é, prefiro separar amizade e serviço.”
Do outro lado, silêncio total, embora eu pudesse visualizar a cara de meme do John Travolta no meu cliente. Que Deus abençoe esse homem.
A funcionária virou outra. Carimbos voando, fila andando, até pendência antiga do cliente sumiu como mágica. Em minutos, tava tudo resolvido.
Voltei pro escritório, contei a história. O cliente quase se mijou de rir. Depois me deu um bônus além do pagamento combinado. “Você fez mais em uma tarde do que eu em um mês.”
Sou programador, resolvo problemas. Naquele dia, o problema só não envolvia linguagem de programação.