O Nem Tão Triste Fim da Musa do Carnaval
— Demorei?
— Não muito. Eu já te disse a hora com uma a menos porque você sempre se atrasa.
— Como é? Não era as quatro?
— Bem, eu te disse as três. Cheguei tem 15 minutos.
— Mas são quatro e vinte, e se eu tivesse chegado as três?
— Bem, seria a primeira vez.
— O que você esta insinuando?
— Estou insinuando nada. Você está sempre atrasado. Eu esperei no carro por você no dia do nosso casamento. E eu era a noiva. A cultura do casamento inteira diz que você devia me esperar.
— Quantas vezes você vai passar isso na minha cara?
— Eu não estou passando na sua cara.
— Você sempre está passando alguma coisa na cara de alguém.
— E você está sempre atrasado.
— Foi por isso que o casamento acabou.
— É verdade.
— Você precisa sempre ser superior. E sempre tá passando alguma coisa na cara de alguém…
— Opa! O casamento acabou porque você NUNCA chegou a tempo de nada.
— E você sempre passou isso na minha cara.
— Só quando você chegava a tempo de ainda me pegar furiosa de ter sido largada esperando por você.
— Engraçada.
— Ridículo.
— Tá certo. O que você quer comigo de tão urgente que nem no divórcio eu posso me dar ao luxo de não ter horário nenhum marcado com você?
— Está atrasado…
— Já passamos dessa fase. Qual é o assunto? Ou você criou essa situação só pra eu me atrasar e você poder passar na minha cara o quanto a sua tataravó ser britânica faz de você uma pessoa superior por ser capaz de cumprir horário?
— Ah… o que foi mesmo que eu vi em você? Tão idiota, Jesus!
— E não é?! E você tão superior aí com esse seu gene britânico se deitando com a porcaria oriunda da ralé aqui né? Mas eu lembro que você gostava…
— Eu não. Mas nunca é tarde pra recomeçar e eu quero seguir em frente. Infelizmente eu não posso por causa de um detalhe, que é o que me traz aqui.
— Eu estar atrasado?
— Ridículo.
— E o que é então?
— Eu estou grávida.
— E por que isso é problema meu?
— Como assim “por que isso é problema meu?” Por que eu te chamaria aqui depois de tudo o que você aprontou?
— Nós nos separamos tem três meses. Esse filho não é meu.
— Claro que é seu. Quem você pensa que eu sou?
— Quer dizer que eu foi o último… você sabe… eu fui o último?
— O filho é seu. Eu estou grávida de quatro meses.
— Uau… quer dizer… eu não quis comentar que você estava mais redonda, mas… você sabia disso e não me contou?
— Eu sei tem só um mês. Como assim redonda? Eu estou gorda?
— E só agora me contou?
— Eu precisava pensar tá? Essa coisa vai destruir meu corpo.
— Como é?
— Isso vai acabar com a minha carreira.
— Que carreira, você nunca fez nada que precisasse de boa forma. Você é cozinheira.
— Eu estou mudando de carreira no momento.
— E vai fazer o que?
— Eu ia ser cantora, mas isso muda tudo.
— Claro que muda, né? Nenhuma outra cantora do mundo teve filho, acaba a voz, você vai criar novos horizontes. Aliás… desde quando você canta?
— Desde sempre.
— E por que nunca soube disso?
— Por que você nunca estava em casa e só chegava atrasado.
— E lá vamos nós de novo…
— Mas é isso… estou grávida. Você é o pai.
— E o que nós vamos fazer?
— Eu não quero a criança. Eu quero o meu futuro em cima do trio elétrico.
— O que? Você ta desistindo do teu filho pra cantar axé?
— É. Eu vou ser a nova musa do carnaval da Bahia.
— E o bebê?
— Ah, o seu filho você faz o que quiser.
— Como assim o “seu filho”? Tá na sua barriga, sabia? É seu filho também.
— Eu não posso criar essa criança na Bahia.
— Por que não? Você sempre quis um filho, que foi que mudou agora?
— Você sempre quis um filho. Eu só queria fazer você feliz.
— Eu sempre quis um filho, mas você sempre quis um também.
— E o Geraldo não quer essa criança.
— Geraldo? Geraldo da oficina? Você ta dormindo com o Geraldo da oficina?
— E qual é o problema com ele? ele é um homem maravilhoso!
— Ah é… muito. Ele trabalha com desmanche de carro roubado. Nunca vi ninguém tão maravilhoso. Você nunca vai crescer.
— Ninguém tem provas de que ele é essa pessoa ruim, além do mais… ele sempre faz o que precisa fazer, me chama de meu amor e é sempre pontual… parece que ele tem um avô que morou na England e tem isso em toda a família.
— Olha Mychelle, você me convenceu. Tenha o filho, eu pego a criança no hospital assim que nascer e levo pra casa e crio sozinho. Ele nem precisa ter o seu sobrenome. Eu falo que você morreu, alguma coisa assim… vai cuidar da sua brilhante carreira de mulher de malandro.
— Você vai dizer que eu… que eu… que eu.. morri? Por que?
— Porque é meu filho, eu não quero que ele conviva com a ideia de uma mãe tão idiota. É melhor não ter mãe nenhuma. Eu arrumo outra mãe pra ele, sei lá… eu vou conversar com a minha namorada… eu me viro. Só me dê a criança.
— HAHA. Claro! Vai querer tirar minha participação na vida do meu filho e dar pra a quenga com quem você tá dormindo, né? A sua cara diminuir o meu trabalho.
— Agora é seu filho também né? Só porque eu falei da Maria.
— Que Maria?
— Cacete.. Maria, a minha namorada se chama Maria.
— Maria… você tá namorando aquela passista biscate? Cretino! Safado! Você sabia que ela sempre queria arruinar o nosso casamento! Que ela lutou contra o nosso amor! Como você pode fazer isso comigo?!
— Foi você que foi embora. Você queria que eu ficasse esperando você voltar pra sempre? Quantas vezes eu não fui atrás de você?
— Mas logo aquela vagabundazinha? A dona passista de escola de samba do Ceará que pensa que é melhor que todo mundo porque conhece o Rio de Janeiro? Que passou UMA SEMANA lá e voltou com aquele sotaque “sou garota de Ipanema”? É pra ela que você quer dar o meu filho?
— Não sei Mychelle, eu não sei. A única coisa que eu sei é que você tá grávida e não quer criar a criança e ela é minha também e eu vou assumir a responsabilidade. A Maria mora comigo, a gente vai casar. Se ela topar me ajudar a criar o Júnior pra mim é melhor…
— Aquela vaca não vai colocar a mão na minha criança.
— E como é que você vai impedir? Você vai tá muito ocupada cantando em cima de uma porra de um trio elétrico.
— Você nunca respeitou meus sonhos…
— Eu nem sabia que você queria ser cantora. Nunca vi você cantar nem parabéns pra você. O filho é meu. Vá subir no seu trio elétrico.
— Olha, se você quiser ver essa criança vai ter que se livrar da Maria.
— O que?
— É isso mesmo, a criança precisa de uma figura feminina e eu não vejo porque não pode ser eu.
— Porque você vai tá na puta que pariu dormindo com o Geraldo em cima de um trio elétrico na Bahia.
— Ela não vai colocar a mão no meu bebê.
— Nem o ladrão do seu namorado vai colocar as patas no meu filho.
— Então vamos dar pra adoção? Não vou dar meu filho pra um estranho criar… a gente vê cada história.
— E o que a gente faz? Casa de novo? Como se nada tivesse acontecido?
— É uma ideia…