O verdadeiro purgatório do Facebook

Quem me acompanha no Facebook já sabe que eu sou um “mala” na maior parte do tempo: uso discurso libertário para defender meus preconceitos (contra os evanjegues, por exemplo); desprezo gente com curso superior que é incapaz de usar pontuação ou mesmo escrever as palavras corretamente; tenho nojo de quem fala em futebol, seja o tempo todo seja de vez em quando. Exceto, claro, quando se trata dos meus eleitos, porque estes podem fazer tudo o que bem entenderem que eu vou tolerar ou apreciar.

Mas nisso nós somos iguais, não somos? Mesmo que você prefira defender a heteronormatividade, ou pregar o rancor e a crueldade divinas, mesmo que você escolha escrever tudo errado porque não tem personalidade própria para romper com o seu grupo de babacas iguais a você (sim, posso ser um “mala” aqui também), mesmo que você seja dos imbecis que chamam camiseta e bandeira de time de futebol de “manto,” ainda assim é a mesma imbecilidade e o mesmo preconceito que eu destilo o tempo inteiro.

Mas não estou aqui para falar dos nossos preconceitos, mas sim do lugar mais triste que já encontrei no Facebook.

Grupos de vagas de emprego

Para dar contexto: um amigo meu está desempregado faz algum tempo, e estou tentando ajudá-lo a encontrar um novo trabalho. Não está sendo uma tarefa fácil, e como passo muito do meu tempo na Internet resolvi usar o Facebook como ferramenta.

Inscrevi-me em diversos grupos de vagas de emprego, e acabei traçando um perfil estarrecedor dos frequentadores destes espaços virtuais. Para fins de didática vou dividi-los em quatro grupos:

  1. os desempregados que procuram uma vaga de emprego em alguma empresa;
  2. os que tentam vencer o desemprego sendo empreendedores com os recursos que têm;
  3. os oferecedores de vagas, na condição de empresas, agência de emprego, etc;
  4. os pilantras aproveitadores que tentam enganar quem já está numa situação ruim.

Desempregados

Os dois primeiros têm muitas características em comum, das quais destaco as seguintes.

  • Muita gente beirando o desespero, haja vista não ter condições de pôr comida na mesa.
  • Jovens e adultos incapazes de comunicar-se por escrito, a despeito de sua formação. Aliás, parece até que os que têm menos educação formal saem-se melhor neste quesito do que os que têm ensino médio ou curso superior.
  • Problemas graves de autoestima, nem precisa ser gênio para deduzir por quê.

O desespero é tanto que as pessoas veem uma vaga de emprego e em vez de seguir as instruções para candidatar-se simplesmente deixam o número de seu WhatsApp nos comentários, abrindo espaço para todo tipo de assédio ou perseguição, comprometendo até mesmo sua segurança e de sua família, o que nunca lhes ocorre pensar.

Os que tentam empreender, dentre os participantes destes grupos de vagas de emprego, são normalmente profissionais da área de segurança de eventos, garçons, babás. Há também os que tentam a sorte vendendo bolos e lanches, por exemplo. Alguns, com os quais admito envergonhado que fui bastante cruel, tentam vender seus serviços para outros desempregados do grupo (embora talvez eles estejam mirando nos “patrões” que por ali talvez circulem).

“Patrões”

Do lado dos “patrões” o que se vê é muito mais triste, porque é de uma crueldade extrema com quem está lutando para sobreviver sem ganhar sequer para alimentar os filhos.

São vagas “fantasma,” que deduzo sejam criadas e divulgadas apenas para colher dados de pessoas que possam concordar em ser abusadas em seus corpos e em suas almas em troca de uma promessa falsa de um trabalho digno.

São vagas legítimas, que mesmo preenchidas nunca são editadas para que os candidatos saibam que o poço já secou e não adianta ir lá para tentar matar a sede.

São empresas de RH que entrevistam as pessoas, fazem-nas perder tempo, gastar dinheiro (que muitas vezes não têm) para ir a estes eventos, e que depois simplesmente somem, não dão a menor satisfação ao candidato que fica esperando por algo que não vai vir.

São ofertas de trabalho com salários aviltantes, insuficientes para uma pessoa sobreviver com o mínimo de dignidade, protegidas pela falácia do “salário de mercado” ou então “compatível com a função.”

Mas o pior de tudo são as ofertas de “trabalho” que não passam de pirâmides que só vão tirar o dinheiro do arigó que não sabe ver a maldade, e pensa que o fato de ele se ferrar sem conseguir virar magnata como os golpistas dizem que ele vai ser é por culpa e incompetência sua.

Quem quiser entender como esse tipo de golpe funciona pode ler um post meu de três anos atrás, mas que ainda deve estar bem atualizado: “Internet Dinheiro:” o golpe do momento.

Em outras palavras, é muito descaso com quem está precisando de trabalho. É muita crueldade contra pessoas em seus limites psicológicos e muitas vezes além dos limites econômicos.

Purgatório

Estes grupos, em função de tudo o que descrevi acima, me parecem ser o verdadeiro purgatório do Facebook. Qualquer um com um pingo de sensibilidade vai, em algum momento, ter o coração partido pelo desespero alheio: constante, dolorido, desesperançado, como um timbale tocando a mesma nota sem ritmo certo, apenas alternando momentos de fraqueza e de sofrimento intenso.

Já se não houver sensibilidade, então a pessoa vai se identificar mesmo é com os “patrões,” e que notem bem as aspas os coxinhas antes de me acusarem de qualquer coisa que eles odeiem, arranjando meios de tirar vantagem da fragilidade e do sofrimento alheios.

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