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Por que as pessoas se tornam massa de manobra na Internet

Antes de qualquer outra coisa, sugiro que quem não gosta de ler procure no YouTube vídeos sobre a Cambridge Analytica. Mesmo quem gosta de ler, se ainda sabe pouco ou nada sobre esta empresa, poderá tirar proveito de vídeos que explicam como funciona o método deles para arrastar multidões usando meios digitais, alterando o resultado de eleições e mudando o destino de países.

De maneira resumida, vamos falar sobre alguns conceitos chave para o entendimento da atuação deste tipo de empreendimento, desde a coleta de dados à eleição das piores pessoas possíveis para os cargos mais importantes de um país.

Toda a operação é baseada em psicologia aplicada, os famosos “gatilhos mentais” que os marqueteiros adoram, e cujo objetivo é, exclusivamente, induzir as pessoas a fazerem o que se quer delas, embora elas pensem que foram livres para fazer suas escolhas.

Coleta de dados

O Facebook é das redes sociais a mais comentada, possivelmente a mais fácil de se fazer uso “indevido” (entre aspas porque não me cabe fazer nenhum juízo de valores) quanto à manipulação de massas, e por esta razão vou focar nele meus comentários.

Women typing on the notebook

A coleta de dados é uma etapa que requer muito investimento, e talvez seja mais dispendiosa do que a etapa dos ataques propriamente ditos. Consiste em elaborar estratagemas para engambelar as pessoas para fazê-las, consentidamente, entregarem sua privacidade e todo seu histórico na rede social para quem esteja entabulando os dados.

Dito assim, parece que é uma coisa mega complicada; na verdade, só é uma operação cara por causa da estrutura necessária para coletar e armazenar informação que posteriormente esteja disponível para análise e utilização.

A maneira mais simples de fazer as pessoas entregarem por vontade própria seus dados é por meio dos famosos e insuportáveis joguinhos de Facebook. Exemplos:

  • Qual o significado do seu nome;
  • Quem você foi na vida passada;
  • Escolha um bolo (ou um animal, uma paisagem, uma imagem abstrata, qualquer bobagem) e vamos revelar uma verdade profunda sobre você;
  • Para onde você vai se mudar em 2021.

Além destes, outro método bastante popular é o do tratamento de imagens para gerar versões mais velhas da pessoa, mais novas, com o gênero trocado, com cara de bicho, em forma de obra de arte, etc. Não importa o que estes passatempos entreguem, o custo da diversão é sua privacidade, pois pelo menos 99% das pessoas não estão nem aí para os termos de uso dos aplicativos que usam, nem para as permissões que concedem para estes programas quanto às suas informações privadas.

Este é o único momento em que a pessoa ainda tem alguma privacidade

Embora possa não parecer óbvio, estes jogos bestas e aparentemente inofensivos precisam da autorização do usuário para invadir sua privacidade. São como os vampiros que, dizem, jamais entram na casa dos outros sem serem convidados, embora possam fazer todo rebuliço possível para chamar a atenção (e descolar o tão necessário convite).

Ou seja: é facílimo de não contribuir com este movimento mundial de manipulação de massas por fake news e outros expedientes destituídos de ética: basta não participar de nenhuma brincadeira que implique autorizar um programa aos seus dados.

Como eu disse antes, e vou repetir diversas vezes ao longo do texto, quem coordena estas ações faz uso de psicologia aplicada com o objetivo de levar as pessoas a — na fase da coleta de dados — autorizar a invasão. Para isso utilizam-se de truques simples mas eficazes para além de explorar a curiosidade humana natural, tais como fingir que são parte do próprio Facebook através do uso de cores e elementos visuais característicos da rede, nos quais as pessoas já está propensa a confiar.

Reciclagem constante

Empresas de “ciência de dados” poderiam fazer uma grande coleta de informações uma vez só, como foi amplamente divulgado no escândalo da Cambridge Analytica há uns dois anos, e fazer suas análises e vender os resultados destas “para sempre”.

Entretanto, as pessoas mudam, e são máximo interesse desta gente tanto capturar a privacidade de quem acaba de entrar na rede social quanto acompanhar as mudanças que ocorrem com seus objetos de acompanhamento e estudo.

Por esta razão os joguinhos continuam circulando sem parar, para que o fluxo de dados por meio dos quais estas empresas produzem dinheiro e poder esteja sempre o mais atualizado possível.

Vale notar que embora estas empresas invistam milhões ou bilhões na divulgação de suas armadilhas, ainda é um investimento barato porque as próprias pessoas que não se importam com sua privacidade acabam compartilhando voluntariamente as armadilhas, seja por vaidade (acho que muita gente curte pensar que foi rei — ou camponês, ou cafetina — na vida passada) seja por ingenuidade.

Análise de dados

A segunda etapa, que também é constante, assim como a coleta, é a análise dos dados.

Especialistas em diversas áreas trabalham de maneira conjunta com o fito de desenhar modelos que descrevam o comportamento e os sentimentos das pessoas analisadas.

Estatísticos e outros cientistas segmentam as informações coletadas de forma a identificar “personas” (modelos comportamentais) que possam ser manipuladas de maneira eficiente.

Vale observar que é correto dizer que estas ferramentas automatizadas não se preocupam em identificar a pessoa, individualmente. Ou seja: o Janio Sarmento não tem valor algum para uma campanha de coleta de dados; o que interessa é o que ele expressa nas suas redes sociais e o quanto ele se encaixa no modelo geral.

Geração de referências

Assim como o ser humano nada importa para estas campanhas de manipulação, apenas saber que no verão passado milhões de pessoas fingiram estar em lugares paradisíacos sem nunca terem saído de casa também não tem valor.

O que interessa é a capacidade de reação dessa massa a determinados discursos, para que o cliente (no caso, normalmente um candidato de extrema-direita, pois só gente de extrema-direita para cagar e andar para a ética a ponto de comprar uma eleição) obtenha o resultado desejado.

Nesta etapa, normalmente são feitos disparos com mensagens do mesmo teor que as que serão feitas em larga escala posteriormente, porém para um grupo pequeno, com características específicas e controlado para que se possam medir variáveis como alcance, capacidade de viralização (propagação espontânea da ideia), que servirão para “afinar” o discurso massivo.

Os ataques propriamente ditos

Por fim, depois que a base de dados está segmentada, quantificada e qualificada de maneira satisfatória, chega o momento de fazer os ataques propriamente ditos.

Click farm na China

Textos são cuidadosamente preparados para encontrar eco nas camadas mais reativas dessa imensa massa de manobra obtida pela coleta e análise de dados, após as pessoas consentirem com a invasão de sua privacidade.

Literalmente milhares de contas (de Facebook, de Whatsapp, etc) são utilizadas para “disparar” o primeiro ataque, sabendo que de acordo com o medo que a mensagem cutucar gerará uma resposta mais ou menos previsível.

Em outras palavras, se o ataque quiser tirar vantagem do comportamento xenófobo da sua massa de manobra, basta simplesmente mexer com um medo qualquer das pessoas e atribuir aos estrangeiros a culpa disso. Exemplo: imigração é ruim porque os estrangeiros vão “roubar” nossos empregos.

Outro exemplo: é sabido que o jornalista Glen Greenwald, um dos fundadores do jornal The Intercept, é homossexual e casado há muitos anos com o parlamentar David Miranda; para atacar um dos dois, as mensagens de ódio podem referir-se ao marido de fulano, de modo a explorar a homofobia da massa de manobra.

Como já falei várias vezes, a manipulação é psicológica e tem por objetivo obrigar as pessoas a fazer escolhas que elas pensam que são frutos de seu livre arbítrio.

Só para constar: as pessoas se tornam massa de manobra porque querem, e difundem discurso de ódio e outras mentiras porque elas se identificam com o que está sendo dito a ponto de usarem a mentira como validação para seu desvio de caráter. Não é porque elas são conduzidas como gado a agir desta ou daquela maneira que elas sejam menos responsáveis, culpadas ou imputáveis.

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