Você está sendo manipulado com sucesso, e eu também

Estamos às portas de 2020, prestes a ver terminar o primeiro ano do onagro apedeuta como presidente do Brasil. A despeito de todos os escândalos que envolvem a milícia que ele chama de família e amigos, de todos os retrocessos em pautas humanistas e humanitárias, de toda a morte resultante das políticas que esta pessoa apoia e incentiva, de toda a fome e miséria que muitos pensavam já pertencer somente aos livros de História, a despeito de tudo isso, ele segue cada vez mais forte e popular.

Aqueles de nós que foram ameaçados de ser levados para a Ponta da Praia, de sermos metralhados, aqueles cujas existências incomodam o presidente e seus eleitores a ponto de quererem nos assassinar para “aprendermos” uma lição, muitas vezes não entendemos como que as outras pessoas não enxergam que não há nada de bom nessa pessoa e em sua equipe de governo.

É comum que reclamemos entre nós que não há como justificar que tantos desatinos sejam ditos e cometidos, tantas acusações sem provas (nem cabimento, nem ao menos verossimilhança), tantos crimes de responsabilidade, tudo passe impune por todos os crivos, desde o mais humilde e anônimo cidadão até os representantes mais vultosos dos Poderes e das Instituições da República.

É tudo verdade: tanto que o onagro apedeuta e seus cúmplices gozam de impunidade, ou antes até de inimputabilidade — se não jurídicas mas pelo menos práticas — quanto que as pessoas parecem cegas para que tais desmandos continuem acontecendo a torto e a direito.

— Cuidado aí, pode ter um potencial ministro aí dentro!

E todo esse sucesso em termos de manipulação das massas se dá graças à muito bem elaborada estratégia de comunicação que desde antes das eleições vem trazendo vitórias a essa gente asquerosa que hoje está no poder, e do qual não vai abrir mão facilmente — o sofrimento está só começando.

A influência de David Bannon

Bannon foi um dos principais articuladores da campanha do presidente dos Estados Unidos — aquele com a pele cor de laranja, fruto dos bronzeamentos artificiais, que odeia latinos e que é o ídolo do eleito por 57 milhões de brasileiros como seu representante máximo.

Quando o apedeuta era ainda candidato foi com sua prole buscar apoio e orientação desta pessoa, com vistas a repetir no Brasil o mesmo feito que se vira nos Estados Unidos: a eleição do candidato menos preparado, mais obscuro, mais demagogo, mais violento e asqueroso; uma eleição legítima e “democrática”, seguindo todos os ritos previstos em lei, que alçaria o representante da ignorância ao cargo máximo da nação.

Bannon entendeu um fenômeno muito óbvio e dele seus clientes tiram proveito: a penetração das redes sociais e dos aplicativos de mensagem é extremamente maior e mais importante do que a dos meios de comunicação de massa, tais como revistas e jornais (impressos ou online), redes de rádio e te tevê. Bastou então aparelhar seus candidatos com o discurso que encontra ressonância nas camadas mais espessas da sociedade e provocar emoções extremas nas pessoas.

Difamação e “fake news”

Não pretendo aprofundar o raciocínio sobre as redes de difamação e de propagação de fake news cujas existências já são de amplo conhecimento do público. Não precisamos discutir a ética deste tipo de ação, pois todos sabemos que se essa gente que ora ocupa o poder tivesse um pingo de moral não cometeria nem uma fração dos crimes que comete.

O que quero comentar é que todo tipo de narrativa difamatória ou mentirosa se espalha em velocidades incríveis, e não é por causa do exército de robôs dos onagrinhos.

Para efeito de didática vamos separar em duas vertentes os espalhadores de mentiras responsáveis pelo incontestável sucesso da estratégia de comunicação dos detestáveis.

Por um lado temos aqueles que se identificam com a mentira da vez: é gente que pensa em acordo com aquele discurso, que vem portanto a ser compatível com os valores da pessoa; gente que se sente vítima, que se acredita injustiçada, e que acaba por aceitar a mentira porque ela legitima seu sentimento de fracassado.

Por outro temos pessoas como você e eu — que não quero ter de me relacionar em nenhum nível com apoiadores do apedeuta — que ficamos doentes de indignação com a falta de hombridade de alguém que se acha moralmente superior a quem quer que seja. Pessoas como nós também têm um papel importantíssimo na propagação da mentira porque mesmo que seja na intenção de combatê-la acabamos por levá-la ao conhecimento das pessoas em nosso círculo direto de influência.

O que estas duas correntes têm em comum, e que são o componente chave da comunicação desta escória que chegou ao poder? Isso mesmo: é o fato de todo mundo ficar emocionado pra caramba e sair reagindo ao discurso absurdo sem nem ao menos parar para pensar.

Conectar-se ao “brasileiro médio”

Há quem diga que o onagro tupiniquim compartilha uma característica com o presidente alaranjado da gringolândia: a habilidade de conectar-se com as massas.

Do tromba não posso falar nada, mas no escroto mor é fácil identificar por que ele tem esta fama; é porque ele diz o que as massas querem ouvir, ele faz com que os desejos mais sórdidos das pessoas ganhe eco em sua voz, no seu verbo.

O “brasileiro médio” não tem compaixão ou empatia por quem é diferente; ele realmente acha que mulher tem que ganhar menos, que é inferior, que tem que ser submissa a um macho qualquer, e que é direito dos machos subjugar as mulheres, nem que seja uma de cada vez. Ele também odeia negros, imigrantes, pessoas com sexualidade não heteronormativa, e detesta a cultura e a inteligência.

Não importa o motivo — se por imposição ou construção social ou por desejo de manter-se na ignorância mesmo — mas é fato que este tipo, o “brasileiro médio”, abomina gente que pensa e que enxerga todas as pessoas como realmente são, em sua humanidade igualitária. Por isso aceitam qualquer mentira sobre “ideologia” (sem nem saberem o que significa o termo), contanto que as faça sentir que é bonito ser parvo e iletrado.

Fernando Haddad, candidato derrotado no segundo turno em 2018

Há não muito tempo esse senhor que ocupa o cargo de presidente foi para um evento de líderes no Oriente Médio; prepotente, não levou nenhum tradutor, e lá chegando não conseguiu entender uma palavra do que os árabes falavam, mas não se furtou de dizer que eles estariam aprovando suas sandices porque olhavam pra ele com uma cara boa. Quase na mesma época um jornal estrangeiro convidou Fernando Haddad para uma entrevista; o jornalista perguntou se ele preferia falar em Português, Inglês, Francês, Espanhol, ou se queria um tradutor, ao que o professor disse que poderia ser no idioma destes em que o interlocutor se sentisse mais à vontade.

Ora, é óbvio para qualquer um que é muito mais adequado a um chefe de estado ser poliglota do que não saber expressar-se corretamente nem na sua língua nativa. Mas as pessoas que sabem que são ignorantes, a despeito de sua escolaridade, ficam ofendidas com uma demonstração de cultura e inteligência como a de Haddad; elas preferem enaltecer um idiota que fala “novaiorquines” e “um afronte” porque é com essa ignorância que querem ficar.

Muita gente acha que a facada — e não entro no mérito de sua autenticidade — foi o que elegeu o amigo dos milicianos. Mas na verdade sua vitória nas urnas se deve é a essa capacidade de dizer o que as camadas mais ignorantes da sociedade querem ouvir, e o que mais choca as pessoas com um pingo de empatia; a violência o elegeu, o fascismo, o segregacionismo, o desrespeito e a fascinação pelo assassinato e pela tortura.

E, apenas para reforçar, quando falo desta camada ignorante da sociedade não estou fazendo alusão nem à escolaridade nem ao poder aquisitivo das pessoas, longe disso!

A normalização do absurdo

Quantas vezes você ouviu ou mesmo disse que parece que ser cretino é condição indispensável para fazer parte deste governo? Há quem chame os ministros, os parlamentares, ou qualquer um ligado ao asinino chefe de retardados, de doentes; mas eles não são nada disso, muito antes pelo contrário: são muito espertos e focados em seu objetivo, que é manipular as massas pelo discurso, para manter uma base de eleitores na ordem de uns 30%–40% (o suficiente para sustentá-los confortavelmente no poder).

Quando um ministro da educação que não sabe nem escrever (nem usar o corretor ortográfico do Word) diz que nas universidades públicas planta-se maconha, ou quando uma ministra dos direitos humanos convoca a imprensa para uma entrevista coletiva e dá no pé após alguns minutos de silêncio, sem responder a uma só pergunta, o que essa gente está fazendo é colaborar com a normalização do absurdo.

São tantas declarações estapafúrdias, tantas decisões tomadas aparentemente sem nenhum tipo de estudo prévio, para depois voltar atrás, ou não, são tantas acusações impossíveis, que o resultado dessa ação coordenada é um enfraquecimento do senso crítico das pessoas.

Porque o muar hoje vai na televisão e faz uma acusação criminosa qualquer, dali a cinco minutos desdiz o que acabou de dizer, e mais à frente confirma a versão por ele próprio desmentida. Seus aliados, com ou sem cargos públicos, com ou sem o rabo cheio de dinheiro, fazem a mesma coisa. O resultado disso é que a pessoa acaba sofrendo um enfraquecimento, uma “ruptura” nos processos de pensamento que formam a capacidade de ponderar e raciocinar.

Com isso a récova vai se protegendo e ficando cada vez mais impune para entregar nossas riquezas naturais para exploração predatória estrangeira, para entregar nossas lucrativas estatais para a iniciativa privada a troco de dinheiro de bala, sem correr o risco de manifestações como as vistas no Chile ou em outros países da América Latina. Os apoiadores da barbárie fortalecem a caterva naturalmente, e os opositores, nós, mergulhamos na apatia, exaustos por tanta impunidade.

O futuro da estratégia da mentira

Uma das coisas que mais me preocupam, para o futuro próximo, são as deep fakes — tecnologia que permite substituir pessoas em vídeos, por exemplo, algo que todo mundo já viu em algum momento mesmo sem saber que é este o nome.

Se as pessoas aceitam em seu emocional memes imbecis em que aparece a foto de um político que se quer atacar com uma declaração mentirosa para que o leitor faça a associação — ou seja, sendo manipulado até para sentir-se inteligente, algo como “eu fiz sozinho a associação” — não quero nem imaginar como será a partir do ano que vem, com a possibilidade do deep fake ao alcance de qualquer um.

Por um lado teremos milhares de horas de vídeos com os adversários dos fascistas dando declarações que nunca foram suas, cometendo crimes, ofendendo quem quer que seja; a estes não vai adiantar negar, porque a massa crítica de adoradores da violência já os terá condenado.

Por outro teremos vídeos reais, que já são populares hoje, mas que no futuro serão desavergonhadamente desmentidos pelos seus protagonistas sob a falsa alegação de serem deep fakes produzidos pelos adversários.

O “jogo” vai ficar muito mais irracional e potencialmente perigoso.

Como combater a estratégia de comunicação dos fascistas

Infelizmente, não sei como seria possível combater esse tipo de estratégia de comunicação sem precisar incorrer nos mesmos crimes que o adversário inescrupuloso.

O que sei é que, de minha parte, vou tomar todos os cuidados para evitar que uma reação minha possa implicar mais visibilidade para quem eu não quero dar nenhum tipo de apoio:

  1. não cito nomes das pessoas de quem não gosto — e nem por isso o que digo ou escrevo se torna indecifrável;
  2. não repasso links ou textos falando sobre as mentiras proferidas ou declarações e acusações mentirosas, ou qualquer outro crime cometido por quem está no governo;
  3. não interajo com apoiadores deste governo asqueroso; simplesmente bloqueio essas pessoas das redes sociais, e da vida “real” também, pois considerando a exaustão em que todos nos encontramos, seria muito fácil de dar a eles a faca e o queijo para dizerem que nós é que somos reacionários e incapazes de dialogar com o adversário).

Em resumo, o que posso fazer é não bater palma pra maluco dançar. É não reforçar o nome desses crápulas, e principalmente ficar de olho no que dizem e fazem as pessoas muito mais inteligentes e instruídas que eu.

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