Como eu uso IA diariamente

Hoje uma pessoa perguntou numa rede social (não sei mais qual) como as pessoas realmente usam o ChatGPT, sem ser para “perguntar” coisas. Diversas pessoas responderam, mas eu não tinha tempo na hora, e o post se perdeu.

Então resolvi escrever essa lista dos usos práticos que faço diariamente da IA, para além de bater papo com o ChatGPT. A lista não tem uma ordem específica.

Principais usos diários da IA

1: Traduzir e corrigir textos

O uso mais frequente que faço da IA é a tradução e correção de textos nos três idiomas que uso diariamente (Português, Inglês e Espanhol).

Usando o Karabiner Elements configurei um atalho de teclado (Caps Lock + N) que pega o texto selecionado e o submete a um prompt específico que:

  1. Garante que o texto esteja todo em Inglês (se não estiver, ele traduz);
  2. Ajusta o tom para o caso de eu estar muito exaltado, mantendo a comunicação amigável e profissional;
  3. Substitui o texto selecionado pela versão traduzida e/ou corrigida, deixando-o pronto para enviar à outra pessoa.

A mesma automação que faz isso em Inglês também faz o mesmo para Português e Espanhol, com combinações de teclas específicas.

Especificamente esta operação acontece em meu próprio Mac, usando o LMStudio, porque tanto quanto possível prefiro usar meu ambiente local, por questão de privacidade, desempenho e custos (não gasto créditos de API nem nada).

2: Classificar e-mails automaticamente

Os filtros do Gmail são muito flexíveis e eficientes, mas nem sempre são suficientes. Especificamente no meu caso, é comum que qualquer um com o sobrenome Sarmento pense que é o dono do meu Gmail (e por incrível que pareça, tem muitos sarmentos, mais que no Brasil, em Portugal — como eu sempre acreditei que seria — e na Indonésia), e o resultado é que sempre tem alguém usando meu endereço para cadastrar-se em sites duvidosos, como sites de apostas, encontros ou agiotagem. Além disso, recebo também uma grande quantidade de emails legítimos todos os dias, e manter a caixa postal organizada e limpa sempre é um desafio.

Para ajudar com esse problema escrevi uma automação no Gmail que roda de hora em hora (por causa das limitações que impedem o código de rodar sempre que eu receber uma mensagem). Os passos que ela executa são:

  1. Extrair o domínio do remetente da mensagem e criar um label (etiqueta, rótulo) específico para ele, automaticamente classificando as mensagens em “pastas”;
  2. Verificar o tamanho da mensagem, e sendo este maior que 500 palavras submeter o corpo do email a um prompt rodando na Cerebras que resume o email e gera um rascunho em tópicos para que eu possa consumir o conteúdo mais facilmente;
  3. Examinar outros detalhes da mensagem (que por motivos óbvios não vou comentar) e automaticamente submeter uma denúncia de phishing para o Gmail.

Esta automação específica precisa rodar na nuvem porque eu não teria como expor meu LMStudio para o Gmail. A escolha pela API da Cerebras se dá por dois motivos principais:

  • Custo infinitamente inferior, e uma faixa de uso gratuita extremamente generosa — nunca paguei um centavo sequer desde o primeiro dia usando-a;
  • Desempenho muito superior ao dos concorrente, executando em uma fração de segundos qualquer prompt que nos concorrentes demoraria uns pares de segundo.

3: Transcrever e resumir conteúdo em vídeo

Infelizmente a Internet nunca mais vai voltar a ser um lugar cheio de texto fácil de ser lido e compreendido, porque as massas gostam mesmo é de vídeos. A IA me ajuda a navegar nesse mar de lixo porque, usando o Comet (navegador inteligente da Perplexity) eu só comando “resuma” numa página qualquer do YouTube, e em segundos ele me dá um resumo do conteúdo que eu demoraria muitos minutos para assistir.

Este não é o uso mais frequente que faço da IA, mas certamente é o que mais me economiza tempo e preserva meu bom humor, uma vez que chego a sentir coceiras quando ouço “se inscreva no canal” (sic).

4: Gerar resumos a listas de ações a partir de transcrições de reuniões

Semanalmente passo uma média de seis horas da minha vida participando de reuniões de trabalho em que ninguém fala em Português. É normal que as pessoas não consigam absorver todo o conteúdo de uma reunião dessas imediatamente, e é aí que entra o NotebookLM, da Google.

Alimento um bloco de notas com a transcrição da reunião (ou com a sua gravação), e peço para gerar resumos dos assuntos, listas de ações necessárias para cada item, bem como “converso” com a transcrição, o que facilita identificar nuances e entrelinhas que à primeira vista poderiam passar despercebidas.

5: Assistente de programação

Por fim, uso muito a IA como assistente de programação, especificamente o Claude Code — já tentei outras ferramentas mas nenhuma é tão boa. Uso-o para analisar códigos de terceiros, códigos meus escritos há muito tempo, e até para escrever código para mim, embora eu nunca aceite uma resposta dele sem auditá-la completamente: se a IA alucina em assuntos não técnicos, em se tratando de programação não é diferente.

Embora as pessoas que abominam a IA afirmem que já tentaram vibe coding e não economizaram tempo nem se tornaram mais produtivas com ela, no meu caso é diferente: por mais que o tempo que eu passo trabalhando com código seja o mesmo, com ou sem IA, com ela o trabalho se torna muito menos cansativo; é a diferença entre terminar o dia exausto ou com energia para viver após o trabalho, como deve ser para todo mundo.

Considerações

Uma discussão que sempre caberá é a de que ao usar IA a pessoa esteja contribuindo com o uso excessivo de recursos naturais necessários para o funcionamento de um datacenter. Um argumento igualmente válido é o de que as ferramentas de IA que usamos foram treinadas sobre conteúdo humano sem pagar direitos autorais, e que a IA não cria nada — apenas reorganiza o que já existe, muitas vezes sem atribuição ou compensação.

Tudo isso é verdade, mas como quase tudo na vida, a questão não é binária. O mesmo vale para qualquer tecnologia: o que hoje parece imoral ou predatório já foi, em outros tempos, novidade revolucionária. A fotografia, o rádio, a imprensa — todos tiveram seus críticos. E, como sempre, não foi o instrumento que definiu o bem ou o mal, e sim o uso que se fez dele.

A ideia de que usar IA “rouba empregos” ou “destrói a arte” ignora o fato de que a automação é inevitável — e que o trabalho humano muda de forma, mas raramente desaparece. Eu não uso IA para substituir meu pensamento, mas para amplificá-lo: ela corta o mato ralo que me separa do que realmente importa, o que exige julgamento, contexto e discernimento — três coisas que continuam exclusivamente humanas.

Quanto ao impacto ambiental, o paralelo é simples: assim como meu banho de vinte minutos não faz a menor diferença numa sociedade em que o “agro” gasta dezenas de litros de água para lavar uma batata, eu me privar de usar chatbots ou APIs de IA generativa também não faz. O debate é legítimo, mas se for para discutir eficiência, que se discuta de verdade — e não o banho dos outros.

No fim, o dilema ético mais real é o de continuar usando essas ferramentas de forma consciente — sabendo que há problemas, mas sem cair no moralismo performático de quem critica IA no Twitter, via iPhone, com café em cápsula ao lado.


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3 comentários
  • Andréa Anahí Moraes Ritter Responder

    Gostei de ler sobre o uso da IA. Sempre tive um ranço em relação a ela. Mas você conseguiu mostrar o quanto pode ser útil. Tudo na vida tem utilidade e ao mesmo tempo pode ser prejudicial. Não gosto do uso da IA em vídeos sensacionalistas . Mas sei o quanto ela pode auxiliar no dia a dia.

    • Janio Sarmento Responder

      Esses vídeos de IA são mesmo nojentos. De cada centena que fazem, um ou dois se salvam.

      E esteja preparada para 2026: não acredite em nada que vir nas campanhas eleitorais, principalmente em detrimento de algum adversário, porque a qualidade dos vídeos gerados está cada vez mais alta, e está cada vez mais difícil distinguir o que é do que não é real. Eu mesmo, que praticamente vi a Internet nascer, que estou sempre conectado e atento, que não paro de estudar — porque minha profissão nem permitiria tal luxo — já tenho dificuldade em distinguir algumas peças.

  • Djane Simões Responder

    Muito bom as dicas, e também dei boas risadas. Abs

Responder Janio SarmentoMenu

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