É por isso que não se deve fingir

Logo no começo da minha carreira, conheci dois programadores que nunca mais esqueci. Não foi por talento — mas por um incômodo que eu só consegui nomear anos depois.

O Lucas entrou num projeto de faturamento para uma estatal, num escritório com cheiro de café velho e zumbido de servidores. Escreveu laços inúteis que deixaram tudo mais lento. Um tempo depois, tirou os mesmos laços, mostrou a “nova versão” mais rápida e colheu elogios. O sistema não melhorou — só voltou ao que era antes dele estragar. Quando os bugs reais apareceram — daqueles que exigem compreensão de verdade — as soluções rápidas dele desmoronaram. Seus pontos cegos eram grandes demais para esconder.

O Renato era outro tipo. Camisa alinhada, sempre seguro do que dizia. O código dele era confuso de propósito: cada correção introduzia mais siglas, mais voltas, mais nós que só ele sabia desfazer. Os clientes ficavam presos — ligavam para ele explicar o que tinha feito e depois para consertar o que a última correção quebrou. Tinha acesso privilegiado a dados de tarifas e imóveis. Diziam que repassava tudo para concorrentes. Nunca soube se chegou a cometer crime, mas passou por cima de todo limite ético. Quando o castelo caiu, foi de uma vez só — sem aviso, só o silêncio antes da queda.

Na época, não me dei conta, mas passei a observar gente como o Lucas e o Renato. Não para copiar — mas para entender o padrão. Anos depois, ele continua ali: termos da moda, apresentações coloridas, tudo para escapar do trabalho difícil. Escondem a ignorância com discurso confiante e constroem labirintos para ninguém ousar fazer as perguntas certas. O zumbido dos servidores e o brilho das telas abafam o óbvio: esperteza impressiona por um tempo, mas é competência que permanece.

Tem uma diferença grande entre fazer truque e resolver problema. O truque desaparece. A competência fica. Essa lição volta sempre que estou diante de um cursor piscando — lembrando que a escolha certa é sempre pela profundidade, não pela enganação.

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3 comentários
  • Julio Saito Responder

    A mascara cai em algum momento. Já vi isso na minha carreira de programador muitas vezes tbm. O problema é quando a empresa já funciona desse jeito e essas pessoas não vão mudar nunca. Melhor coisa é sair e partir para outra, com pessoas que querem apenas resolver os problemas e aprender a cada dia.

  • Rafael Responder

    Existem muitos Lucas e Renatos por ai, conheci alguns em outros campos de trabalho.

  • Andréa Anahí Moraes Ritter Responder

    Gostei muito dessa análise que você fez. Muito interessante mesmo. A questão ética da profissão, a questão da competência.

Responder Julio SaitoMenu

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