Quando tudo tinha peso
Nós não nos víamos como pioneiros. Só tentávamos fazer as coisas funcionarem — não raro sem manual, sem debugger, ou mesmo sem um teclado apropriado. Não otimizávamos por eficiência ou em busca de elegância. Apenas agradecíamos quando o que estávamos construindo funcionava sem “dar pau”. Se você quisesse construir algo, tinha que cavar fundo, e frequentemente sozinho.
Lembro de escrever programas que liam e gravavam dados em fita cassete. Não porque fosse divertido, mas porque era o que tínhamos. E em se tratando de sistemas em disquete (muito mais avançados), o sistema tinha que arrancar de um disco, carregar o código, preservar os arquivos do usuário e ainda assim caber em 64 kilobytes. Não era um limite — era o ambiente inteiro. E a gente se adaptava, não porque fôssemos mais inteligentes ou melhores, mas porque não havia outro jeito.
Armazenamento era em fita cassete, RAM era luxo. Um erro de sistema implicava começar tudo do zero. Controle de versão era uma pilha de disquetes etiquetados com datas e um questionável senso de confiança. E de algum jeito, nós entregávamos software funcional. Não bonito, nem escalável ou amigável para os padrões de hoje — mas funcional, sólido, e nosso.
Hoje as coisas são mais leves em todos os sentidos. Armazenamento é barato, instalação de sistemas é abstrata, e quaisquer problemas podem até ser resolvidos instantaneamente. A “nuvem” te dá dez servidores em menos de um minuto. Frameworks estruturam aplicativos inteiros antes mesmo que você tenha aberto o seu editor de código. É impressionante, eficiente, poderoso. Mas às vezes, também estranhamente vazio.
Não que as ferramentas atuais sejam piores; ao contrário, são milagrosas. Mas a sua abundância faz tudo parecer menos… merecido. Você não precisa saber o que é um disco para persistir dados. Não tem que entender de rede para disparar um serviço. Isso é progresso, mas também desconexão. Quando nada te enfrenta, nada te mostra os limites. E sem limites, há pouca noção de forma ou respeito.
Não tenho saudade da dificuldade. Sou é grato por ter passado por ela. Mas acho que ela nos deu algo que estamos pouco a pouco perdendo: paciência, humildade e uma “intuição” com raízes profundas sobre as máquinas que usamos. Nós não copiávamos e colávamos de fóruns ou sites na Internet: nós digitávamos a partir de livros ou revistas, de memória. Errávamos muito. E no processo nós aprendíamos.
Fico feliz — de verdade — pelas coisas terem ficado mais fáceis. Mas também penso em o quanto o que nós construímos foi moldado pela carga que tínhamos que levar. O peso das ferramentas dava significado ao trabalho. E hoje, com tudo leve e fácil, às vezes me questiono sobre o que está sendo construído — e o que está sendo apenas montado.
Na mosca grandão. Na mosca. Sem limites não se faz forma, não se cria conexão. Infelizmente, respostas só trilhando o caminho.