“Tu é mais tu, saca”
Certa vez eu comentava com uma amiga acerca de nossas passagens pela Umbanda, eu mais na qualidade de curioso, leitor de Pierre Vergé, ela de iniciada, por ter ficado não sei mais quantos dias deitada com um monte de ervas na cabeça (em contrapartida à outra forma de iniciação, que inclui sacrifícios animais). Quando ela me contou que havia passado por esse processo eu perguntei como, então, ela circulava tão livre por aí, despreocupada com a agenda de “obrigações” que a religião implica. Sua resposta foi uma das frases mais impregnadas de gauchês que eu já ouvi, na mesma proporção que foi impregnada de sabedoria:
— Ah, Janio… Tu é mais tu, saca…
Minha amiga não imagina o quanto eu lembro todo dia dessa frase, e, por algum motivo que ainda não consigo imaginar, um artigo antigo do Blogue (Técnicas de Lavagem Cerebral) tem me feito pensar nisso diariamente ao receber mais visitas e comentários do que de costume.
Penso na frase de minha amiga porque os contatos mais recentes sobre esse assunto são de pessoas que têm na família alguém que foi vítima de lavagem cerebral e gostariam de reverter o processo. Em uma única frase, devo dizer que — até onde sei — o processo é irreversível; no momento que uma programação entra na mente, ela ocupa o lugar daquela que foi apagada. Para que a antiga programação seja resgatável, de alguma maneira, ela não pode ter sido substituída pela nova, para que possa ser acessada.
Mas aí é que a porca torce o rabo.
Ninguém sofre uma lavagem cerebral se não aceitar antecipadamente ser exposto, submetido a este processo. “Tu é mais tu, saca…”
Em outras palavras, por mais que existam técnicas de persuasão, entonação vocal, efeitos luminosos, e tudo o mais, essas coisas só funcionam com quem vai aos lugares onde estas são empregadas. Ninguém obriga um transeunte a entrar numa igreja para ser convertido (exceto para o caso dos pais crentes que obrigam seus rebentos a frequentar seus cultos, em idade que ainda não têm senso crítico o suficiente nem autonomia para saber o que é ou deixa de ser bom para si).
Se alguém da minha família resolver entrar para uma igreja dessas e ficar à mercê da rapacidade dos pastores, aceitando passar por uma lavagem cerebral, e eu decidir que vou empregar técnicas também de lavagem cerebral para “salvar” essa pessoa, estarei sendo tão culpado ou culpável quanto aquele que condeno.
Se houvesse algo que pudesse ser feito à revelia da vontade da pessoa, para reverter o processo de lavagem cerebral, e eu fizesse isso, eu estaria exercendo um poder maior que o poder que a própria pessoa tem sobre si.
“Tu é mais tu, saca.”
Se você tem algum ente querido numa situação dessas, alienando-se por influência de algum processo de reprogramação subliminar, minha recomendação é que ao invés de tentar combater fogo com fogo, tentando fazer um processo nos mesmos moldes do empregado pelo “adversário”, descubra quais foram os motivos que levaram seu ente querido a procurar por livre e espontânea vontade um lugar em que fazem lavagem cerebral; se ele permanece lá, é porque de alguma forma sente-se bem, sente-se recompensado, alguma necessidade sua foi atendida. Então, descubra que necessidades são essas, veja se tem algo que poderia estar fazendo melhor, e resgate seu parente ou amigo pelo amor e pela generosidade. E se descobrir que não tem como combater ou reverter o processo, ame seu parente assim mesmo, aceite-o do jeito que ele é, e não torne as coisas mais difíceis do que já são.
“Tu é mais tu, saca.”
Seu entendimento tem suas verdades, mas lavagem cerebral quem sabe fazer e difícil descobrir e quem passa pelo processo a pessoa tem a mente mais inocente ou tá passando por momentos difíceis na vida. E feito tão sutil que o lavado acha o seu malfeitor uma pessoa boníssima para ela e não é porque queria assim. Então não tem essa tu és mas tu sacas, alguns sim mas outros não.
E no que é que isso que você diz difere do que eu escrevi no meu texto, pessoa que não tem coragem nem de inventar um nome para ser chamada?